domingo, 18 de maio de 2008

Um novo maio de 1968

Precisamos de um novo Maio de 1968 – o movimento que começou com a insatisfação dos estudantes na França, contra a política de Educação, e que contaminou a classe trabalhadora provocando uma greve geral que paralizou todo o país.

A sucessão de eventos inspirou ou foi sintoma de um movimento maior que sacudiu a Europa e reverberou no mundo. Hoje, historiadores e cientistas sociais dizem que depois tudo se acomodou e que o mundo seguiu seu crescendo de violência e capitalismo. Mas pelo menos houve questionamento, idéias e ideais foram postos à prova, e os reflexos disso são revistos e estudados até hoje – vide a quantidade reportagens e suplementos sobre os 40 anos de Maio de 68 publicados recentemente na imprensa mundial.

Influenciado pela afeméride, o tema da mesa de debates da Arena Jovem, que abriu a I Bienal do Livro de Minas, no dia 15 de maio, era: "Adolescer" dói? A adolescência continua dentro da gente? Participavam da mesa Orlando Paes filhos, autor da série Angus, adorada pelos adolescentes; Maria Dolores, jovem autora da biografia de Milton Nascimento – Travessia; e Wilmar Silva, poeta performático que vive em Ouro Preto.

No início, cada um falou de um aspecto da adolescência e a conversa seguiu desarticulada. Lá pelas tantas, uma jovem pediu o microfone e sua pergunta me fez vislumbrar e sentir a profunda solidão e deseperança da juventude hoje. Era algo assim: "Sou fulana, tenho 17 anos, estou prestando vestibular para medicina e às vezes me pergunto: para quê?"

Os autores se entreolharam e, um a um, tentaram responder. Mas cada um com seus argumentos, a meu ver, só faziam aumentar a angústia da moça. "Descubra o que faz de melhor e siga por esse caminho. Você vai se destacar", disse Maria Dolores. "Inicie um movimento contra o sistema. O mundo precisa de heróis", disse Orlando. "Encontre uma maneira de se expressar", aconselhou Wilmar.

De repente, um homem que estava na platéia tomou a palavra e falou dirigindo-se à jovem: "Eu tenho 48 anos. Trabalho em Brasília no Senado, para os ladrões. Mas não sou ladrão, sou músico. Tenho dois filhos e ensino a eles que não sejam ladrões. Meu salário permite que eu os alimente e que tenha uma banda de rock. Tenho CD gravado e tudo. E você, menina, só por ter feito essa pergunta, causou uma revolução nesse espaço. Parabéns por ter feito essa revolução".

Palmas!!!

No final do debate, todos foram falar com a jovem, inclusive eu. Tentei consolá-la citanto um ídolo da juventude, Bono Vox, vocalista do U2: "Se você não pode mudar o mundo, mude o mundo dentro de si". Mas ela ainda não estava convencida.

Então, lembrei a fala do sociólogo Alain Touraine (jornal O Globo, 11/5/2008), que era professor na Universidade de Nanterre quando eclodiram os primeiros movimentos de Maio de 1968: "(...) vivemos 40 anos de regimes de extremos liberalismo. Este sistema hoje não vai tão bem e os jovens têm uma inquietação geral. Enquanto que e 68 o pensamento era: estamos atrasados, ou seja, um clima de subida, hoje é clima é de descida, o que faz uma grande diferença. Os estudantes estão dizendo agora: vocês estão fazendo um mundo em que eu vou viver pior do que os meus pais. É a descida. Eles estão amargos e não acreditam em mais ninguém. (...) 68 era um período carregado de ideologia, de idéias. Agora, estamos ocos."

Lembrei também dos meus dois filhos, com 10 e 13 anos, e de que eles vão se defrontar com essas questões logo mais adiante. E de todas as crianças e jovens dos países pobres cuja situação está marcada para piorar, em vez de melhorar.

E pensei em como seria ótimo se houvesse um novo Maio de 1968, que aconteceria num outro mês, com outro nome, mas que seria um levante de jovens do primeiro mundo contra os adultos que dirigem aceleradamente este veículo meio desgovernado que é o planeta Terra hoje. E que eles conseguiriam fazer os governantes pararem um pouco e reavaliarem sua atitude para com o planeta e os povos que o habitam, corrigindo a rota – para melhor.

Mas aí eu pisquei, acordei, vi que ainda estava na Arena Jovem da Bienal de Minas, sozinha, ao fim de um longo e exaustivo dia de trabalho. E fui embora para o hotel dormir.

4 comentários:

Anônimo disse...

Valeria, excelente reflexão.

E aí lembro-me de Einstein: não podemos corrigir problemas com o mesmo modelo mental que os criou. Talvez eu dissesse isto a esta jovem. Talvez, eu pedisse para que ela lesse os relatos de "Infiel" e de "Desonrada". Foram pessoas que pensaram fora do modelo mental vigente nas sociedades problemáticas e aterradoras em que viviam. E que sobreviveram, apesar de tudo.

bj! Márcia

Pablo Lima disse...

clap, clap, clap!

bravíssimo, minha cara!
há muito aguardo pela revolução de maio de 2008; e neste ínterim, sei perfeitamente como a futura estudante de medicina se sente...

biatrixx disse...

Poxa, que texto lindo.
Realmente, precisamos de um maio de 68 , com outro nome, mas com ideais, idéias e ações.
Também sinto a desesperança nos jovens de hj. Como essa jovem, nuito dos jovens que vejo, fazer uma faculdade por fazer, que médicos serão esses? Que advogados, artistas, engenheiros, e etc serão esses?
Alguns seguem a linha: fazer concurso e ganhar bem não importando o trabalho. No mundo de hj isso é importante mas ... não sei.
Boa reflexão.
bj
B

Anônimo disse...

Vá,
Num país como o Brasil e vindo de uma classe média super achatada, fica difícil lutar contra o modelo vigente. Nossa atenção acaba voltada para o pânico de perdermos nossos (meu) empreguinhos e passar por dificuldades ainda piores. Mas seu texto é ótimo e espero que toquem pessoas mais jovens e idealistas.
Beijos,
Ana