domingo, 30 de março de 2008

Poderosa!

Ainda sobre "A solidão, a liberdade..." (postado quinta-feira, 27/3), vale dizer que os "perrengues" da viagem sozinha à Europa não foram em vão. Recém-chegada no Rio, a impressão que tive foi que várias "fichas caíram", a poeira que fora levantanda no fundo do rio subitamente assentou. Tudo ficou mais claro, organizado; eu mais forte, bem disposta, segura... Poderosa! Sim, a solidão já não me assusta! Tal qual São Jorge, padroeiro da Catalunha, venci o dragão!


Numa noite especialmente difícil, em Barcelona, eu havia falado com minha filha ao telefone e ela não me atendeu bem. Não me deu a atenção que eu esperava, desligou rápido, foi um pouco ríspida. Para um coração sensibilizado como o meu, isso foi uma facada! Chorei, chorei... Lá pelas tantas, o telefone tocou. Pensei que era ela, arrependida, mas não, era Giselle, minha amiga brasileira, perguntando: "Chegou bem em casa? Você está bem?" Sorri, enxuguei as lágrimas e respondi: "Sim, querida Giselle, agora estou bem. Obrigada por ter me ligado!"
Poucas horas antes, enquanto tomávamos una caña em um bar no Borne, eu havia comentado o quanto me sentia sozinha ao chegar no apartamento onde estava hospedada, e não encontrar ninguém ou não ter ninguém para ligar e dizer: "cheguei bem..." Ela, com sensibilidade e carinhos incomuns, guardou isso na memória e me ligou naquela noite, quando eu realmente precisava.
Obrigada, querida Giselle!

"Quando te sentir sozinho, não chores, não tenhas medo! Lembra que Aquele que guia o sol e as estrelas guia a tua vida e a ti mesmo." (provérbio sufi)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Frases

"Ser adulto é estar só."
Eduardo Neiva, professor de Teoria da Comunicação I e II na Puc-Rio (1989), diante dos olhares aparvalhados de seus alunos no 1º período de Comunicação Social.

"A maternidade não nos transforma em santas, muito menos em vítimas, porém nos ajuda a sermos mais humanas."
Lya Luft, escritora. Essa frase foi criada para o Dia das Mães 2008 e será veiculada em marcadores de livro promocionaias para a Livraria Saraiva.

"Ela é o meu melhor poema."
Ivan Junqueira, poeta, respondendo a um elogio à beleza de sua filha, Suzana Junqueira, dona da Livraria da ABL (RJ).

Outras frases memoráveis de Eduardo Neiva diante dos olhares aparvalhados etc, etc, etc:

"Por que me olham com essa cara de bosta n´água sem destino?"

"Não me dirijam esse olhar bovino!"

"Conseguem enxergar uma luz no fim do túnel? É o trem. E está vindo na direção de vocês!"

"Não coloco texto em pasta para tirar xerox. Aluno tem que aprender a frequentar biblioteca, levar livro pra casa. Não serei paternalista com vocês, abaixo o xerox!"

Saudades do Neiva...


quinta-feira, 27 de março de 2008

A solidão, a liberdade...


Em 2 de março desse ano, Martha Medeiros escreveu na Revista O Globo sobre Os quatro fantasmas que assombram o ser humano: a solidão, a liberdade, a morte e a falta de sentido da vida. No dia anterior, recém-chegada da Europa, convidei minhas amigas mais íntimas à minha casa, para ver fotos e dar presentes, e, curiosamente, falamos sobre isso, antecipando o assunto da coluna da Martha.

Junto de minhas amigas, me senti à vontade para fazer um balanço da viagem e compartilhar os sentimentos múltiplos e contraditórios que a marcaram. Foram duas semanas viajando sozinha. Tudo bem que à noite eu sempre estava acompanhada de gente conhecida – Julie, minha anfitriã em Londres; Giselle e Diego, meus amigos brasileiros em Barcelona. Mas durante o dia, essa gente ia trabalhar, cuidar da vida e eu ficava... Sozinha.

Lembro que no primeiro dia da viagem saí pelas ruas de Londres determinada a fazer o "roteiro Bloomsbury", caminhada a pé pelos quarteirões que abrigam as casas de Virginia Woolf, Clive Bell, Lytton Strachey etc. No meio do caminho, vi uma placa indicando a rua onde Charles Dickens morou, onde fica a casa dele. Resolvi me desviar e acabei me perdendo. Já era perto do meio-dia, eu estava com fome, com calor. Decidi mudar meus planos e ir direto ao British Museum, naquela região, para não perder tempo (!) Após caminhar feito louca, pedindo informações aqui e ali, alcancei o museu. Porém, entrei por uma porta lateral e fui cair direto na parte do Egito. A essa altura, estava exausta, mau humorada, faminta, achando tudo ruim, a ponto de chorar. STOOOOOP!

Desci para a área interna do museu, onde fica a lanchonete. Havia uma apresentação de crianças chinesas, em comemoração do Ano Novo chinês. Se eu tivesse um rifle, seria capaz de atirar em cada uma delas!

Tudo mudou, graças a Deus, depois que fiz uma pausa no tempo comprando um suco, desembrulhando meu sanduíche, tomando um café expresso. Comi, respirei, observei o carinho e a cumplicidade de um casal de idosos norte-americanos que lanchavam ao meu lado. Então, me levantei e voltei à exposição, recuperando a minha tranqulidade interna.

Essa foi apenas uma das situações desgastantes da viagem, que teve momentos maravilhosos, claro. Mas, observem: por fora, não havia nada errado. Tudo se passava dentro de mim. Viajando sozinha em um país estranho, eu me defrontava a todo instante com a solidão e a liberdade. O que vou fazer agora? Ir a outro museu? Voltar para casa e ler um livro? Sentar-me em um café e meditar? Andar pelas ruas e olhar as vitrines? Ao escolher uma das opções, necessariamente elimino as outras. A liberdade pode ser angustiante... Em certas horas eu pedia um sinal, algo que me indicasse qual direção seguir!... Mas na maioria das vezes, esse sinal não aparecia e eu tinha que decidir... Sozinha!

Em Londres, isso aconteceu várias vezes. E eu me vi assim também na vida, tateando, procurando o melhor caminho a seguir, tentando acertar... Mas na verdade, nós andamos meio às cegas. Quem sabe, no momento final, vamos nos deparar com o quadro completo e compreender início, meio e fim. Espero que sim, mas nem disso temos garantia.

domingo, 23 de março de 2008

O significado da Páscoa


De uns anos para cá, quando o Natal se aproxima, algumas sábias pessoas tratam de alertar as outras: pensem menos em comprar presentes e mais no significado do Natal; evoquem o espírito do Natal, o Cristo que nasce, etc. Já fiz isso e é bem legal, faz surgir um sentido maior do que simplesmente encontrar a família – alguns parentes a gente só vê nessa época do ano, infelizmente ou felizmente, em muitos casos – ou gastar nossos parcos caraminguás comprando presentes para o marido, o filho, mas também lembrancinhas para o porteiro, a faxineira... A lista aumenta a cada ano! E o décimo terceiro, será que vai dar???
Nessa Páscoa, que tive a felicidade de passar em São Pedro da Serra (http://www.saopedrodaserra.tur.br/) em companhia dos meus filhos e de muitos amigos, resolvi pensar no significado dessa festa católica, que já foi pagã um dia. Antes da Igreja se apropriar dos rituais pagãos e "torcê-los" para servirem a sua doutrina, a Páscoa era a época do ano em que as antigas populações do heminsfério Norte celebravam a chegada da primavera, o renascimento da natureza após o longo e gelado inverno. Então, presenteavam uns aos outros com ovos pintados, simbolizando o que está oculto e ainda vai nascer, e elegeram o coelho como animal-símbolo da festa, por sua notória multiplicação e fertilidade.




Refletindo sobre isso, procurei trazer essa simbologia para a minha vida. Dizem que o ano no Brasil só começa depois da Semana Santa, não é mesmo? Pois agora é que as rodas da fortuna e da prosperidade vão começar a girar de verdade! É hora de sintonizar com o espírito da Páscoa, da multiplicação, da fertilidade, dos novos começos, das novas semeaduras, dos brotos verdes que surgirão debaixo da neve, da água doce que começará a degelar e a correr, da vida que renasce e se renova, eternamente!
Feliz Páscoa a todos!

quarta-feira, 19 de março de 2008

A paciência

Depois do Zé, é a vez do jovem chinês falar. Betty o apresenta como o "médico e sábio chinês... (nome impronunciável), que falará sobre a Paciência".
O moço inicia sua breve palestra com voz baixa, pausada, forte sotaque chinês. Resumo aqui suas realmente sábias palavras:
"Paciência é saber esperar. Todas as coisas têm um tempo certo para acontecer e não adianta tentarmos acelerar esse processo, sob pena de acabarmos atraindo o contrário do que desejamos.
Existe uma história chinesa que é um exemplo. Um homem queria ter uma sombra em seu jardim e, para isso, planta uma árvore. Mas a árvore demora a crescer, então, todos os dias ele vai até lá e dá uma puxadinha na muda, para ajudar o crescimento. Faz isso ao longo de três semanas, ao fim das quais a planta morre.
Na medicina, também se faz muito necessária a paciência. O organismo precisa de um tempo para se recuperar, não adianta querer apressá-lo. O surgimento de bactérias super-poderosas, como se vê atualmente, resistentes a qualquer antibiótico existente, está relacionado à falta de paciência das pessoas. O doente quer ficar bom rápido, pois precisa voltar ao trabalho, etc, então, em vez de o médico aplicar os antibióticos gradativamente e ir observando os resultados, ele prescreve logo um antibiótico mais potente. Isso não ajuda o paciente, pois muitas vezes o organismo não está preparado e não responde, e faz as bactérias se acostumarem aos remédios mais fortes, propiciando o surgimento das super-bactérias.
Dentro de nós corre um rio, o rio da vida. Precisamos nos concentrar nesse fluxo, ele achará seu caminho até o mar. Não adianta cavar canais aqui e ali para apressar o rio, ele acaba perdendo força e morre. Concentremo-nos no rio. Todo rio encontra o mar".

José Celso Martinez, um homem lindo e atraente de 70 anos

Ontem, dia 18 de março, houve o lançamento do novo livro da psicanalista Betty Milan, Quando Paris cintila (ed. Record), na livraria Cultura do Conjunto Nacional (SP). Betty é paulista, colunista da Veja On Line http://vejaonline.abril.com.br e mora metade do ano em São Paulo e a outra metade em Paris, no Marais. O novo livro é composto de 33 crônicas curtas, sem letra maiúscula ou ponto final, nas quais, tomando como inspiração viagens que empreendeu à Europa, Ásia e Américas, ela reflete sobre a vida, a morte, o envelhecimento, a felicidade e outras questões fundamentais de todos nós.
Para ler trechos do livro no teatro Eva Herz, dentro da livraria, Betty convidou ninguém menos que o dramaturgo e diretor de teatro José Celso Martinez, seu amigo. O início da leitura estava marcado às 19h30 e às 20h não havia sinal do Zé. Ligamos para a casa dele, o fiel secretário Valério disse que havia saído fazia tempo, a platéia do teatro lotada. Decidimos começar sem ele, em respeito ao público. Subiram ao palco a autora e seus outros convidados: o escritor e editor paulista Fenando Nuno e um jovem médico chinês, cujo nome é impronunciável e impossível de ser escrito de memória.
Mal Nuno começou a falar sobre o livro, a porta do teatro se abriu e entrou Zé: alto, magro, cabelos brancos como a neve, elegantérrimo numa blusa de gola rolê branca, calças de linho cru e casaco preto. Um homem lindo e atraente, de 70 anos.
Ao fim da apresentação do editor, ele se levanta e vai para o microfone. Começa a ler a primeira crônica, pára, começa de novo, só que cantando. Improvisando um canto do que está escrito. Salva de palmas. Vem a segunda crônica, "Quando a velhice é sorridente", que ele lê fazendo movimentos suaves com os braços no ar: "só envelhece mal que se exercita na chatice, queixando-se – consciente ou inconscientemente – do tempo que passa" "a contrariedade é contrária à vida" " é o contentamento que fortalece" Todos riem e batem palmas, pois Zé é uma amostra viva do que está escrito. Não se pode dizer que é velho. É um jovem entusiasmado, alegre, cheio de vida e criatividade.
Para ler a terceira crônica, "Quando a árvore é uma grinalda", ele exige silêncio absoluto da platéia. Começa e interrompe três vezes a leitura, até que não se ouça um murmúrio sequer. "Isso aqui é muito zen, exige silêncio e concentração", justifica. E segue: "a felicidade está nas coisas simples, claro, complicado é chegar nelas"
No final, temos a sensação de que viajamos com a Betty por China e Índia, Turquia, conduzidos pela voz e pela interpretação do Zé. Uma meditação conjunta da qual despertamos leves e inspirados, acreditando que a vida pode ser realmente bela.
Tudo depende da maneira como a olhamos.

domingo, 16 de março de 2008

Exposições que se completam – parte III

"Alexader Rodchenko – Revolution in Photography" é uma mostra das fotografias desse artista que transitou pela pintura, arquitetura, design, mas que elegeu a imagem fotográfica como o melhor veículo para expressar sua criatividade.
Rodchenko nasceu em São Petersburgo e bem jovem ingressou na escola de arte Kazan Art School, a fim de aprender pintura. Lá, conheceu o poeta Vladimir Mayakovsky, de quem seria amigo e parceiro, e Varvara Stepanova, que se tornaria sua esposa e modelo.
A exposição na The Hayward mostra as principais obras de Rodchenko relacionando-as com as etapas de sua vida. Logo no início, há cartazes de propaganda do governo soviético, sendo que o mais famoso é o da moça com lenço na cabeça, mão junto à boca, chamando os camaradas para se unirem a tal e tal ideal de igualdade, etc. A imagem foi copiada pelo grupo de rock escocês Franz Ferdinand na capa de seu terceiro CD You could have it so much better (2005).
A moça sardenta foi clicada sorrindo em close e de um ângulo que faz com que a foto pareça ter sido tirada ontem, e não no início do século XX. Mais adiante, ficamos sabendo que ela era casada com o crítico Osip Brik, mas também amante de Mayakovsky. Isso não impedia que todos fossem amigos, e que outra foto os mostre reunidos – Lili, Osip, Mayakowsky e Varvara –, sentados à mesa em frente a xícaras de chá, num clima bastante harmonioso.
Vale dizer que a base de muitos dos cartazes são as fotos de Rodchenko, mas em cima delas ele criava desenhos geométricos coloridos e aplicava tipologias incomuns, criando um efeito que continua atual e surpreendente até hoje.
Mais adiante, uma parede contém fotomontagens que ele criou para as revistas LEF (Left Front of the Arts, editada por Mayakovsky e dedicada a definir uma "direção comunista para todos os tipos de arte") e USSR in construction. O programa da exposição conta que, para reunir as imagens de que necessitava, Rodchenko comprava jornais e revistas, espalhava-os abertos no chão e ia recortando o que lhe chamava atenção, e depois empilhava em grupos: animais, moda, tecnologia.
Continuamos andando e surgem os registros que "tornaram a fotografia não apenas um meio de refltir a realidade, mas um veículo para representar visualmente as dinâmicas construções da mente". Enquadramentos inovadores, ângulos inusitados, efeitos geométricos. Por exemplo, uma mulher sobe uma escadaria com uma criança no colo e os degraus sob seus pés são listras enviesadas. O retrato da mãe é um close escuro onde se vê cada ruga da rosto rechonchudo da mulher. Mayakowsky é retratato várias vezes, rosto másculo, olhar penetrante. Um homem bonito!
Infelizmente, esse olhar inovador foi o mesmo que fez com que Rodchenko caísse em desgraça. Ao fazer um ensaio sobre o heróico e revolucionário povo russo, fotografou um "pioneiro" tocando corneta de baixo para cima e foi acusado pelas autoridades de ter "deformando" a imagem – e, conseqüentemente, seu conceito. Logo, veio uma lei que tornava obrigatória a permissão governamental para tirar fotos em locais públicos. Rodchenko, então, passou a dedicar-se ao fotojornalismo fotografando paradas militares, competições de atletismo, o teatro e o circo. Somente um ano após sua morte, Moscou viu a primeira exposição individual de seus trabalhos, organizada por Varvara.
Ao fim da mostra, fico pensando em porque Rodchenko não fugiu da União Soviética e refugiou-se na Europa, como outros artistas da sua geração. Por amor a seu país e à revolução a qual se engajou, ele permaneceu mesmo tendo sua arte incompreendida e desmerecida. Viu amigos como Mayakowsky se suicidarem, desiludidos com os rumos que seus sonhos tomaram na realidade. Por que não foi embora?
É uma pergunta sem resposta.

sábado, 15 de março de 2008

Parte II – Exposições que se completam

A exposição USSR in construction, no Room 11 da Tate Modern, mostra as capas e o conteúdo da revista com este nome, publicada em Moscou de 1930 a 1941, nos idiomas russo, inglês, francês, alemão e espanhol (a partir de 1938). A revista era um veículo de publicidade dos feitos do governo stalinista e, curiosamente, apesar desse governo pregar que a arte deveria adotar uma estética realista (para ser acessível a todos), é considerada até hoje uma das publicações com design mais criativo e inovador do século XX.
USSR in construction tinha em seu cast artistas como Alexander Rodchenko (sobre quem vcs vão ler na parte III), que exercitava suas fotomontagens em suas páginas. Estas também incluíam tipologias incomuns, imagens captadas de ângulos até então nunca vistos, e dobraduras sofisticadas e espetaculares – como uma página dupla, vertical, que mostra a foto de um pára-quedista e, ao desdobrar seu topo, vemos o pára-quedas inteiro, redondo e plissado!
Cada edição enfocava um tema: a aviação soviética, o exército vermelho, projetos de eletrificação de regiões distantes etc. Fotógrafos eram enviados aos rincões mais longínquos do país a fim de fotografar essas obras e, principalmente, os trabalhadores, sempre clicados em posições que os alçava à condição de heróis.
A exposição mostra as reportagens em quadros envidraçados e, realmente, causa choque e admiração ver como algo tão moderno e surpreendente pode ter surgido e sido incentivado num país cujo novo governo era tão duro e repressor. Infelizmente, essa repressão logo afetou os membros da redação. O escritor Isaak Babel, responsável pela edição de vários números, foi um dos que caíram sob suspeita de subversão, tendo sido torturado e morto em 1941.
À medida que a Europa e outros países foram ficando desiludidos com o governo de Stálin, a revista foi perdendo popularidade, até que finalmente acabou. Foi ressuscitada em 1949, mas era uma pálida cópia do que fora um dia.
Deslizando em frente às páginas abertas, pensei em todos os meus amigos que são designers – Ana Soares, Luiz de França (vulgo ZOD), Adriana Teixeira e Guto Lins, Beatriz Alves Pinto, Diana Cordeiro (minha colega na Record) – e desejei que estivessem ali comigo, tendo a oportunidade de ver essa magnífica exposição. De alguma forma, eles estiveram.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Três exposições que se completam - parte I

Em Londres, tive a oportunidade de ver três exposições sobre temas correlatos, que me deram uma visão bastante abrangente de uma das vertentes da arte – o design – no início do século XX. Foram elas: "Breaking the rules", na British Library; "USSR in construction", na Tate Modern; e "Alexander Rodchenko – Revolution in Photography", na The Hayward, Southbank Centre.

"Breaking the rules", British Library
Esta é um painel super-completo dos movimentos que sacudiram as artes nas quatro primeiras décadas do século XX: Expressionismo, Futurismo, Dadaísmo, Cubismo, Construtivismo e Surrealismo. Mas a maneira de mostrar esses movimentos é que é original: através dos "manifestos" (materiais impressos com design e formato arrojados) que circulavam entre os países. Por serem peças baratas e fáceis de imprimir, divulgavam as idéias revolucionárias de seus autores em vários lugares ao mesmo tempo, formando uma espécie de rede numa época bem distante da internet.
O propósito desses movimentos – chamados de modo geral de "Avant Garde" – era romper com os padrões de arte impostos até então e buscar novas formas de expressão. Valia tudo: poemas sonoros (onde o som devia triunfar sobre os sentidos), poesia visual (onde a forma contribui para a compreensão dos versos), fotomontagens e outros recursos.
Uma amostra de cada uma dessas vertentes pode ser vista na British Library. Ao longo de sequências de vitrines, vemos livros, folhetos, folders e uma variedade enorme de materiais impressos, assim como fotos de seus autores, divididos por cidades nas quais viveram ou desenvolveram suas idéias.
Curiosíssima a vida do poeta alemão Hugo Ball (1886-1927), dadaísta que viveu em Zurich (Suíça), retratado na famosa foto com um chapéu pontudo na cabeça. Diz o verbete que após "quebrar tudo" no dadaísmo, enveredou pelo misticismo e terminou seus dias vivendo como ermitão. Mais adiante, num balcão com vários fones de ouvido, somos convidados a ouvir um de seus poemas – "Gadji beri bimba" (!!!) – musicado pelo grupo norte-americano Talking Heads (Fear of Music, 1979).
Um balcão dedicado à literatura mostra um exemplar da primeira edição de "Ulysses", de James Joyce, publicado pela publisher norte-americana (mas que morava em Paris) Sylvia Beach, também fundadora da livraria Shakespeare and Company, na capital francesa, dedicada a livros em idioma inglês. Detalhe: ela foi a única a apostar na obra, que já havia circulado por editoras de vários países e sido rejeitada por todas.
Assim, as referências vão se cruzando, nos inundando com uma quantidade de informações fascinantes, de uma época efervescente sobre a qual pouco sabemos (pelo menos eu!).
A seguir, "USSR in construction".

quarta-feira, 12 de março de 2008

O Museu Freud, em Londres

Visitar The Freud Museum, em Londres, é uma experiência solene.
Numa manhã ensolarada, atravessei a cidade em direção ao bairro de Hamphstead, onde fica a casa em que o criador da psicanálise passou seu último ano de vida. Na saída do Underground, há discretos avisos indicando a direção. Entrei numa espécie de travessa com degraus e cheguei ofegante a uma linda rua arborizada, repleta de largas casas de tijolos em seus dois lados. Finalmente, eu encontrava as belas casas inglesas que costumo ver nos filmes. Hamphstead é um bairro de ricos.
Em Londres, as construções que um dia abrigaram personalidades exibem na fachada uma pequena placa arrendondada de esmalte azul-marinho, onde se lê em branco: "Aqui morou...". The Freud Museum tem duas placas: uma em homenagem a Sigmund e outra em homenagem a sua filha, a também psicanalista Anna Freud, que viveu ali até morrer, em 1982, e que determinou que após sua partida a residência seria transformada em museu.
A família Freud chegou em Londres em junho de 1938, após deixarem Viena ocupada pelos nazistas. Imagino como deve ter sido doloroso esse degredo, porque antes haviam morado por 47 anos no mesmo endereço, Berggasse, 19. Em setembro mudaram-se para a casa de Tijolos em 20 Maresfield Gardens – endereço que grande parte dos ingleses desconhece (pelo menos aqueles aos quais perguntei sobre o museu não sabiam).
Entrei na casa silenciosa. Nos fundos, onde se compra o bilhete de entrada (8 pounds) há uma lojinha com souvenirs à venda; o mais bacana é um bonequinho de Freud, fofinho, vestido com terno preto e óculos redondos sobre o nariz. Trouxe um comigo e está em cima da minha cama, ao lado do mestre sufi Nasruddin.(No meio, há uma boneca de pano, presente da Fernanda Temponi. Eles fazem a minha "escolta").
Sem me preocupar por onde começar, subi os degraus até o andar de cima, onde fica o quarto de Anna Freud. Simples, claro, com um divã e a cadeira onde ela se sentava, coberta por uma manta de lã, que devia usar para aquecer suas pernas. Numa sala ao lado, é exibido continuamente um vídeo com imagens da família Freud narrado pela própria Anna. Fascinante ver imagens de um Freud sisudo, conversando com seus colegas psicanalistas, mas abrindo um sorriso para a neta Sofia, que o abraça e beija, ou enquanto afaga um dos cães da raça Chow-chow (da língua roxa) que criaram ao longo da vida. Freud gostava de cachorro!
No corredor, há um desenho de Freud assinado por Salvador Dalí. Pequenos quadros aqui e ali narram e comentam casos solucionados pelo primeiro dos psicanalistas. As poucas pessoas – três ou quatro – que estão comigo no interior da casa não falam, só se ouve nossas respirações.
Desço as escadas procurando o consultório do mestre, e então percebo uma porta aberta a minha direita. Entro num ambiente de penumbra, os olhos demoram a se acostumar. Então, começo a visualizar os detalhes do santuário. Livros, muitos livros cobrindo as estantes em todas as paredes; diversas cristaleiras que abrigam artefatos e bibelôs comprados por Freud em suas viagens pela Grécia, Itália e o Oriente; o famoso divã trazido de Viena, coberto de tapetes persas e almofadas; a cadeira onde ele se sentava (muito simples); e, por fim, a mesa de trabalho com um detalhe perturbador: os óculos redondos sobre papéis espalhados, como se ele houvesse se levantado por um momento e fosse voltar já, já.
Agradeci pelo caminho de auto-conhecimento que ele inaugurou, e que eu segui com ajuda de seus discípulos. Agradeci por tudo de bom, de mau e de importante que descobri sobre mim através do método que ele criou. E parti com meu bonequinho nos braços, segurando-o com todo cuidado e carinho.

terça-feira, 11 de março de 2008

O cineasta da Sessão da Tarde

O alemão Roland Emmerich é o único cineasta que ainda faz filmes como os que as pessoas da minha geração costumavam assistir na Sessão da Tarde. Sou fã dele: vibrei com o ataque de ETs em "Independence day", me diverti com o congelamento-relâmpago da Terra em "O dia depois de amanhã", ri muito com a fantasia exagerada de "10.000 a.C.", que acaba de chegar aos cinemas. Fui assistir com as crianças no primeiro fim de semana em cartaz e elas a-do-ra-ram!...
Esse filme mais recente é o que mais se aproxima do primeiro blockbuster que alçou Emmerich ao sucesso, "Stargate", sobre uma viagem ao futuro. Já "10.000 a.C." é uma viagem ao passado. Por volta da citada data, uma tribo que vive numa região gelada sofre com falta de comida. Uma caçada ao mamute, na primavera, revelará o novo líder da aldeia. A sequência da caçada, logo no início do filme, é de tirar o fôlego. O diretor conta que cada frame levava quase 24 horas para ficar pronto, a fim de criar um efeito natural para os movimentos e, principalmente, para os pêlos dos mamutes!!!
Mais adiante, o mocinho se depara com um tigre dente-de-sabre. Mas em vez de lutar com ele, interage com a fera, salvando-o de uma armadilha. O animal, em vez de atacá-lo, compreende a gentileza e vai embora sem lhe tocar um dedo, ou melhor, uma garra. É ou não é Sessão da Tarde???
Isso sem falar nos figurinos espalhafatosos, os diálogos hiper-enxutos (para não dizer superficiais), a profusão de viradas na trama, profecias que se revelam e se cumprem, elevando os protagonistas à condição de seres divinos.
Críticos e cinéfilos mais rigorosos torcem o nariz, mas aí é que está a graça. Os filmes de Emmerich são uma brincadeira luxuosa como os parques da Disney. Ele nos convida a esquecer de tudo e mergulhar na fantasia. Se conseguimos fazer isso, temos diversão garantida. Mas não pode ter perconceito!
Quem tiver filhos com idades entre 7 e 13 anos, pode assistir sem susto. Não há grandes violências, nem sangue escorrendo, nem cabeças rolando. Mas, sim, imagens maravilhosas de mamutes e tigres dente-de-sabre em seu esplendor, lições de solidariedade e união, e um herói que luta para salvar seu povo e sua amada ao mesmo tempo.
Não esqueça a pipoca e boa viagem à pré-história!!!
(Aguardarei os comentários de quem se aventurar...)

domingo, 9 de março de 2008

O rato embaixo da geladeira

Domingo de manhã, ocasião rara para dormir, desligo todos os aparelhos de telefone pensando nisso. Mas meu sono é perturbado por portas batendo. Mais uns minutos e a porta do meu quarto - santuário de penumbra inviolável, sob pena de morte - é aberta.
"Mãe..."
"Que é menino? Que história é essa de me acordar, essas portas batendo?!?!?!"
"É uma longa história, mamãe..."
De fato. Uma amiga da minha filha veio ontem dormir na nossa casa, se encantou com o novo habitante, o micro-ratinho branco de olhos vermelhos chamado Cherry. Um topolino, menor que um hamster. Hoje, a menina acordou antes de todos nós e foi à cozinha pegar Cherry, tirá-lo da gaiolinha aonde mora. Tudo bem se não houvesse uma outra habitante da casa, a gata Piblu, uma vira-latas preta, enorme e feroz. Resultado: a gata apareceu, o rato se assustou, saltou da mão da criança e foi parar embaixo da geladeira, de onde não saía por nada desse mundo.
Acordei num pulo, corri para a cozinha e vi vassoura, pano, grãos de ração,tudo espalhado no chão. O sangue ferveu até o topo da cabeça. Expulsei os dois para a sala, tirei da geladeira um pedacinho de queijo, outro de pão, outro de mamão e coloquei numa distância segura: caso Cherry se aventurasse em busca de comida, eu o agarraria! Mas que nada, o ratinho já havia levado para seu esconderijo alguns grãos de ração que as crianças haviam usado para tentar atraí-lo, e se deliciava com eles. Doce sabor da liberdade!
Comecei a me desesperar, Piblu miando do outro lado da porta, calor, fome... Mas eis que nesse ínterim, chega o pai dos meus filhos, que veio buscá-los para ir à praia. Nada como um homem numa hora dessas!!!
"Vamos ter que virar a geladeira."
"Não vai dar certo, ele vai entrar para dentro do motor."
"É isso ou..."
Lembrei de um ratinho que eu tive quando tinha uns 6 anos. Um dia ele escapuliu da gaiola e foi parar no teto do apartamento, que era rebaixado, todo feito de ripas de madeiras. Durante alguns dias, víamos o rato passear para lá e para cá nas vigas do teto. Depois, tudo o que restou dele foi um cheiro de carniça terrível.
"Tá bom, vamos virar a geladeira!"
Tiramos tudo para fora, ele - o homem! - virou a geladeira. Cutuquei Cherry, que escapuliu para o chão, mas quando tentei pegá-lo, soltou um guincho e meu mordeu. Ui! Cutuquei de novo e quando ele me deu as costas, o rabinho fino e rosado à mostra, o capturei. Aháááá´!!!!!
Ufa!...
Nossa hóspede não se furtou de levar um sermão daqueles. Meu filho me abraçou, exausto. E minha filha, que notoriamente é muito brava, quase tanto quanto a gata Piblu, nos olhava com uma interrogação no olhar. "O que aconteceu?" Ela acordou mais tarde e as outras duas crianças não lhe contaram nada, assistiam TV em silêncio, já sabendo a bronca que iam levar caso a "onça pintada" (como chamo minha capricorniana brava) descobrisse a arte...
No fim das contas, estresses e maus humores se dissolveram num banho de mar em Ipanema. Que manhã de domingo!...


sábado, 8 de março de 2008

A estranha paz das coisas que não dão certo

Quando temos expectativa muito elevada em relação a uma coisa que esperamos que aconteça, essa esperança nos mantém em alta; ora pode nos angustiar um pouquinho (principalmente se somos pessimistas), mas a maior parte do tempo nos mantém com a cabeça nas nuvens, fazendo planos, imaginando como será a nova etapa que se anuncia (se conseguimos ser otimistas).
Porém, quando o desfecho é diferente do que imaginamos, há um suave (na melhor das hipóteses) despencar do alto da montanha. Descemos rolando em câmara lenta, esbarrando numa pedra aqui, num arbusto ali, até chegar lá embaixo, onde ficamos estendidos por um tempo no chão, respirando, absorvendo a experiência da queda, contemplando o céu, reunindo forças para levantar e olhar em volta: qual direção tomar agora?
Essa é uma das formas da pausa do tempo. Temos a sensação de que a vida parou um pouquinho (ilusão, mas tudo bem), mas na verdade é uma trégua que ela nos dá, e que devemos nos permitir desfrutar, enquanto aguardamos um sinal, uma pista de qual rumo seguir.
O vento parou de soprar, é o que as pessoas que velejam chamam de calmaria. Elas têm a certeza de que é temporário, logo surgirá uma brisa que inflará as velas e porá o barco em movimento. Tudo o que temos que fazer é esperar, respirar, nos ocupar das pequenas coisas a nossa volta, limpar, jogar fora o que não presta, abrir espaços para que o novo – ainda oculto – possa chegar.
E a qualquer momento, um relâmpago, uma luz ilumina nossa mente: surge a nova direção. É por ali que eu vou. Subindo novamente a montanha, escalando, cabeça nas nuvens... Uma hora dessas, vou voar.