segunda-feira, 28 de março de 2011

Uma linda - e nada banal - história de amor

"(...) A partir desta interferência, a dupla dá adeus à filosofia e engrena uma história banal de casal, com longa lista de cobranças, expectativas e desiluções”.

A frase me saltou ao olhos em meio à crítica da jornalista Susana Schild sobre o filme Cópia fiel, obra do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, em cartaz nos cinemas cariocas. Não vi o filme, mas fiquei pensando: ao perseguirmos tanto o amor, será essa a recompensa, o pote de ouro ao fim do arco-íris? Acho que não!

Porém, ao olharmos para trás, quantas das histórias de amor que vivemos não incluíram esses componentes: cobranças, expectativas, desiluções? Todas, ou quase. É preciso muito cuidado para não cair nessas fáceis armadilhas que estragam a felicidade.

Querem ver? Listei, com base em minha própria experiência, situações comuns no dia a dia dos casais:

  • Manipular pela culpa – O outro deu uma pisadinha na bola e a gente arma um circo, faz crescer uma tromba do tamanho de um bonde, e a cara feia dura dias... Pobre do outro.
  • Fazer criancices para chamar atenção – Uma mulher que conheci me contou: “hoje eu me enfiei em um bingo a tarde inteira e não avisei ninguém”. “Por que?”, perguntei. “Para eles sentirem a minha falta e virem atrás de mim”. E olha tinha quase 50 anos, filhos criados.
  • Não falar o que está incomodando e deixar a coisa “apodrecer” dentro – Isso cria ressentimentos terríveis.
  • Deixar de falar “eu te amo” ou outras coisas lindas que vêm à boca por vergonha ou para “não baixar a guarda”.
  • Criticar o outro e querer mudá-lo para que “caiba no seu sonho”, como já disse Cazuza.
  • Não perder a oportunidade de citar um ex-namorado para provocar ciúmes no outro.

Muito mais... Tudo isso são tonterías (palavra do espanhol que eu adoro) passíveis de protagonizarmos a qualquer tempo.

Vamos ficar de olhos e coração bem abertos... E nos permitir viver uma linda - e nada banal - história de amor.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Medo da liberdade

- Algum de vocês teria um bom livro sobre o medo para indicar? - perguntou o amigo no meio da reunião, e todos se entreolharam.

- Por que sobre o medo?

- É que estou desenvolvendo um novo projeto para crianças... - de fato, esse colega trabalha com teatro infantil.

Alguns fizeram sugestões e eu indiquei a coleção Quem tem medo, da Editora Scipione, que ajudou minha filha a perder o medo do mar após ter sido literalmente "pescada" por um anzol na praia, aos 4 anos.

- Não - explicou nosso amigo - Eu queria um livro sobre o medo em si. Uma teoria sobre o medo.

Confabulamos e concluímos que esse livro não existe. Um de nós filosofou:

- O mestre tal disse que o medo é causado pela falta de liberdade. Se conquistarmos a liberdade, não haverá medo.

Aí eu intervim:

- Mas as pessoas também tem medo da liberdade. Liberdade demais assusta - e todos me olharam desconfiados...

A propósito dessa afirmação, lembrei de um texto que escrevi em 2009, e que agora sai da gaveta.

No sábado à noite, ela saiu livre, leve e solta, o vestido bem decotado, o certo era usar sutiã, mas ela foi sem sutiã mesmo, os seios livres sob o tecido de algodão.

Tinha ido à praia e estava bronzeada, o certo era usar maquiagem, mas ela não usou, foi de cara lavada mesmo.

Chegando à festa, a amiga arranjou um paquera, o amigo colou com outra e, de repente, ela se viu só. Foi para a pista e dançou, dançou, dançou... Os seios balançando, os cabelos voando, a cara sem maquiagem.

Nesse momento, se deu conta do quanto sempre teve liberdade, a dádiva da liberdade. Porque desde cedo teve que aprender a tomar conta de si, administrar seu dinheiro e isso lhe permitiu lançar-se ao mundo, viajar, fazer o que bem entendesse sem ligar para o que os outros pensam ou dizem.

Deu-se conta, ao mesmo tempo, do quanto é difícil viver a liberdade, porque implica riscos. É mais fácil apegar-se a hábitos, manias, obrigações auto-impostas. Tudo para não se ver a olho nu, não estar exposto ao vácuo que é o daqui a pouco, no virar da esquina.

É preciso muita coragem para viver a liberdade, isso sim. (Ou falta de juízo também!)



quarta-feira, 2 de março de 2011

As coisas mudam

Tem um filme ótimo do David Mamet com esse título (Things change, 1988), e eu me lembrei dele recentemente após a entrevista com MV Bill e a leitura do conto sufi O homem cujo tempo estava alterado no livro Histórias dos derviches (Nova Fronteira, esgotado).

Primeiro, o enigmático depoimento do Bill:

"Meu relativo sucesso é recente. Antes eu fazia show na Cidade de Deus, cobrava ingresso barato, mas ninguém ia. E olha que eu me vangloriava de fazer música para preto. Ficava frustrado, porque não era ouvido nem pelas pessoas da comunidade e nem pelos lá de fora. Isso foi me desmotivando de uma forma que eu quase desisti. Mas, de uma hora para outra, sem que eu fizesse nada, a coisa mudou. Não sei como, nem porque, mas mudou! Isso aconteceu de uns 3 anos para cá”.

O conto do homem com o tempo alterado, narra a trajetória de um próspero comerciante que vai perdendo tudo e sendo atingido por uma série de infortúnios até ficar quase na miséria. Valendo-se da antiga amizade com o rei de um país vizinho, viaja até lá para pedir ajuda.

Quando finalmente é admitido à presença do rei, o soberano indica que o o homem deverá receber 100 ovelhas e cuidar delas às margens do reino. O homem fica chateado, pois esperava mais. Mas cumpre as ordens do líder. Porém, as ovelhas são acometidas por uma misteriosa doença e morrem, e ele volta à miséria.

Numa segunda visita ao Rei, o monarca ordena que lhe sejam dadas 50 ovelhas, para que tente de novo. Menos ovelhas ainda? Mais uma vez, uma tragédia natural leva as ovelhinhas e ele fica sem nada.

Numa terceira visita, a cota passa a ser de 25 ovelhas. O homem está desalentado e cansado, mas não pode decepcionar o rei. Eis que o rebanho cresce e se multiplica!

De volta à presença do rei, este fica satisfeito e oferece ao homem o trono de um reino vizinho. Mas ele fica intrigado: "Por que não me ofereceu o trono na primeira vez em que o procurei?" Ao que rei responde: "Porque se houvesse lhe dado naquela época, não existiria hoje naquele reino pedra sobre pedra".