quarta-feira, 30 de julho de 2008

A firmeza

Difícil encontrar o equilíbrio entre ser firme e flexível; entre deixar "acontecer naturalmente", como a letra do pagode, ou fincar o pé e dizer: Não!
Tem horas em que é preciso dizer Não sem medo de ferir os sentimentos do outro ou de ser inconveniente. Muitas vezes, os outros são inconvenientes com a gente. Ou passam por cima da gente. Ou simplesmente se expandem diante da nossa falta de limites. E com isso entramos pelo cano.
Parto do princípio que tudo pode ser dito, desde que seja dito com jeito. Ser firme não quer dizer ser indelicada. O problema acontece quando somos pegos de surpresa e não dá tempo de pensar. Civilizados que somos, treinados para conter nossos impulsos, acabamos sufocando o Não que vem à boca. Com isso, o outro ganha tempo; usa e abusa de argumentos para conseguir o que deseja. Se não formos muito firmes, acabamos cedendo.
Este fim de semana eu disse sim, quando queria dizer Não. Tentei desfazer a coisa, mas meu destino já fora selado. Não foi um fim de semana confortável, mas como nada acontece por acaso, ainda estou quebrando a cabeça para descobrir o aprendizado embutido na experiência.
Hoje, no trabalho, numa outra situação, meu superior cobrou: "Valéria, você tem que ser firme!"
Ui! De novo!
Vou para casa refletindo sobre essa qualidade – a firmeza –, que também é um dos 99 Nomes (atributos) de Deus, segundo o Islã. Ele é O Firme (Al-Matin).
Já o budismo se refere à firmeza ilustrando-a com o bambu, que se curva sob o vento, mas não se quebra.
Permanece firme em seu lugar.

domingo, 27 de julho de 2008

Arrumando a casa

Quando a Indesejada das gentes chegar (...)

Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,

A mesa posta,

Com cada coisa em seu lugar.


Sempre relembro este poema – Consoada, de Manuel Bandeira – e me fascina essa história de "arrumar a casa" antes da Indesejada das gente chegar. Porque ela pode chegar a qualquer momento, e não devemos deixar tudo para a última hora. Porque a "última hora", como a expressão já diz, é um tempo muito curto. Não dará pra arrumar grande coisa. Então, é preciso começar já, sem adiamento, sem desculpas. Do contrário, vamos acumular trabalho para ser feito depois... Quando? Onde? Não me perguntem, não sei. Mas que deve existir um depois, deve.


Certa vez, li que "a maioria dos seres humanos vive como se fosse imortal". É verdade, refleti, pois ninguém vive a vida contando que a morte pode vir na hora seguinte. Essa afirmação fazia parte de um texto que não era pessimista, nem nos incentivava a pensar na Derradeira, mas sim a nos fazer trabalhar desde já para "lavrar o campo, limpar a casa, pôr a mesa com cada coisa em seu lugar". Penso nisso todos os dias e trabalho para isso – com paradas ocasionais para respirar, porque ninguém é de ferro! Mas a parada não pode ser longa, não, senão... A gente acostuma e estaciona de vez.


Já que estamos relembrando poemas e frases, tem uma da Lya Luft que não é nada poética, mas eu gosto muito: "A vida é uma escada rolante onde a gente sobe pelo lado que desce. Se paramos um pouco para descansar nos degraus, ela nos leva para baixo." Ufa!


Recentemente, a vida me trouxe a oportunidade de finalizar certas questões que ainda se encontravam pendentes dentro de mim – por um fio, mas sim. Nada como o tempo! Foi tão bom sentir que eu havia trabalhado o suficiente para me permitir cortar esses "fios" sem qualquer pesar! Tudo ficou para trás, acabou. E aí eu lembro o título de um livro da Ed. Nova Era, do grupo Record, cujo exemplar eu tenho em cima da minha mesa de trabalho: Siga em frente, da psicoterapeuta Celia Resende. That´s it!


Ainda existem fios ligados a outras pendências, mas tenho a vida inteira pela frente para cortá-los... Ops! A vida inteira? Quanto é isso? Não sei, então, vamos continuar a arrumação da casa. Agora, já, vamo que vamo!!!



quinta-feira, 24 de julho de 2008

Vibrafone na Rua Taylor

Duas ou três pessoas já haviam comentado, então, fui conhecer o Cantinho da Fofoca (nome horroroso!) na quarta-feira à noite. Fica na segunda quadra da Rua Taylor, pitoresca ladeira que começa na Rua da Lapa. Sujinha, cercada de edifícios daqueles que têm mais de dez apartamentos por andar, centenas de janelinhas piscando e vibrando, cheias de vidas e dramas.

Subi a ladeira sem pressa, pois sabia que minha amiga J., iniciada no lugar, ainda ia demorar. O bar não tem letreiro, identifiquei por causa das mesas – diferentes umas das outras, cadeiras idem – espalhadas na calçada e na rua. Era uma noite quente e fiquei sentada, tranquila, esperando J., observando os transeuntes: uma senhora carregada de sacolas de supermercado, quase fui ajudar; um gringo de mãos dadas com uma linda mulata; uma jovem com roupas de ginástica, suada, voltando pra casa; outra descendo a rua com os cabelos molhados, perfumada, provavelmente indo ao encontro do namorado. A Rua Taylor é uma rua muito familiar!

J. chegou e, enquanto conversávamos, três músicos montavam seus equipamentos no interior do bar. Em meia hora a música começou e qual não foi nossa surpresa ao constatar que um dos instrumentos era um vibrafone. Vocês sabem o que é isso? Do tamanho de um piano, pedais, milhares de teclas douradas, tocadas com quatro baquetas, duas em cada mão. Minha amiga, que é cantora, nunca tinha visto um na vida! O ápice da apresentação foi a música Vera Cruz (que eu não conhecia), do Milton Nascimento, tocada a mil por hora no vibrafone, acompanhado de baixo e bateria (maravilhosas as caretas de prazer do baterista ao batucar seu instrumento, um filme à parte). Muito bacana!!!

Senti que o forte do Cantinho da Fofoca é a música, sem dúvida. E a cerveja Bohemia gelada. E a cachaça curtida com morango. E a simpatia do dono, Nonô, que é também o único garçon da casa. Não tem muito o que comer – na ocasião só havia uma pizza de provolone "mais ou menos". E não aceitam cheque ou débito automático. Pagamento só em dinheiro vivo, ui! (Saí lisa, lesa e louca, e tive que pedir emprestado a J. para voltar pra casa).

E a decoração? Só pra dar uma idéia, Nonô tem uma coleção de Topo Gigios (valem dinheiro!) e uma foto do Capitão Asa (isso vai denunciar minha idade...) Enfim, vale conhecer o Cantinho da Fofoca, lugar ainda genuíno na Lapa. Programação: de terça a quinta - jazz; sexta e sábado - afrosambas! Enquanto a fiscalização não bater e obrigar o Nonô ou a profissionalizar o lugar ou a fechar...





quarta-feira, 16 de julho de 2008

A escravidão

Estava trabalhando em minha mesa na Record, semana passada, quando entrou na sala a moça que faz a limpeza à tarde, seguida de uma menina negra, gordinha, vestida de rosa. Enquanto a mulher recolhia o lixo das cestas, a menina ia junto ajudando, pegando os papéis amassados que caíam no chão e jogando dentro do saco plástico. Chamei a menina.

"Vem cá, pára de trabalhar, senta aqui pra ler um livro."

Peguei um livro infantil que estava sobre minha mesa, no qual há mais texto do que figuras. A menina olhou e disse:

"Mas eu não sei ler."

"Não sabe?", achei que ela estava brincando. "Quantos anos você tem?"

"Sete. Hoje eu faço sete. É o meu aniversário".

"Pois então, você vai ganhar um livro. Serve este? Tem alguém na sua casa que possa ler para você?" Ofereci o mesmo livro, porque era o único que eu tinha à mão.

Ela pegou-o, folheou e disse meio desanimada:

"A minha avó sabe ler. Mas isso tudo, acho que ela não vai conseguir ler, não."

Pedi que esperassse e fui até a editoria de infanto-juvenil. Pedi à editora um livro com mais figuras do que texto e encontrei o novo da Leticia Wierzchowski, Era outra vez um gato xadrez. Voltei com o livro.

"Toma, é o seu presente. Feliz aniversário. Este tem pouco texto e mais figuras. É a história de um gato que gosta de ler. Você vai gostar". Beijei-lhe as bochechas.

"Mas você tem que assinar." Como assim: Uma dedicatória? Eu disse que não precisava, mas ela esclareceu: "É que senão, não vão me deixar sair com ele. Eles revistam a gente na saída."

Pedi à estagiária que fizesse uma carta autorizando a saída do livro, assinei e beijei-a de novo. Ela disse obrigada e partiu.

À noite, fui narrar o episódio a minha filha e chorei.

domingo, 13 de julho de 2008

Livro de cabeceira

A última mesa da Flip, todos os anos, tradicionalmente reúne autores da festa para lerem trechos de livros que marcaram suas vidas.

Este ano, que eu me lembre, Alessandro Baricco leu um trecho de O apanhador no campo de centeio, de J. D. Salinger; Cees Nootemboom leu um trecho de Em busca do tempo perdido, de Proust; Neil Gaiman leu um trecho de um conto de fadas que descobriu aos 12 anos, e que o fez perceber que "a ordem das palavras podia ser bela".

Assistir aos autores, automaticamente, nos faz refletir: "se fosse eu, qual livro e qual trecho escolheria para ler na Flip?" Sem pensar muito, eu escolheria o meu clássico favorito, O corcunda de Notre Dame, de Victor Hugo, que li há uns 3 anos.

Escolho este livro porque Hugo criou um personagem único, marcante e inesquecível, que tornou-se parte do inconsciente coletivo. Todo mundo já ouviu falar do Corcunda de Notre Dame mesmo sem saber que ele surgiu deste romance do escritor francês. Além disso, é uma narrativa incomum porque nenhum dos personagem – nem mesmo o corcunda – monopoliza a trama. Os rumos são imprevisíveis, o que pensamos que não pode acontecer, acontece e o vilão é um dos mais terríveis de toda a literatura.

O trecho que eu leria para o público é o reencontro da cigana Esmeralda com sua mãe, a louca da praça, que volta a perdê-la no momento seguinte. De partir o coração, mas lindo!

– Minha filha! Minha filha! – dizia ela. – Tenho minha filha! Ela está aqui! O bom Deus restituiu-a. Venham todos! Há alguém aí para ver que eu tenho minha filha? Senhor Jesus, como ela é linda! Fizeste com que eu esperasse por ela 15 anos, meu bom Deus, mas era para devolvê-la linda. (...)

Agora é com vocês. Qual livro escolheriam para ler na Flip? Qual trecho? Por que? Vou adorar saber...





Epifania em Florença

Termino de ler O conto do amor, de Contardo Calligaris, e com ele voltei a Florença, Siena, Montalcino, pequenas cidades da região da Toscana, na Itália, que tive a oportunidade de percorrer em março do ano passado (2007).


Em Florença, fui acometida pelo Mal de Stendhal e quase desmaiei dentro da Galleria degli Uffizi, diante de um quadro de Leonardo Da Vinci. Explica-se: quando o autor de O vermelho e o negro visitou a bela cidade italiana, passou mal e desmaiou dentro de uma igreja. Ao recobrar os sentidos, perguntaram-lhe o motivo do incidente e ele respondeu que não era grave, apenas ficara aturdido com tanta beleza, tivera uma vertigem florentina.


Eu também tive uma vertigem, ou melhor, uma epifania (adoro essa palavra!) diante do quadro Annunciazione (1475-1480), e registrei a experiência em um diário assim que retornei ao hotel, tão distinta e impactante ela foi. Compartilho com vocês os trechos mais importantes:


Florença, 5 de março de 2007.


"Hoje, vivi uma experiência autêntica diante de uma obra de arte. Depois de ver, ao vivo e a cores, O nascimento da virgem e Primavera, de Botticelli, parei em frente ao quadro Annunciazione, de Leonardo Da Vinci, e ele suscitou em mim sentimentos e sensações que eu nunca havia experimentado antes.

A luminosidade pálida, o chão coberto de grama e pequeninas flores, o olhar do Anjo Gabriel, que tem uma flor em segundo plano, por trás de si, as dobras da roupas da Virgem, que revelam a ponta de um sapato vermelho sob a saia, o livro sobre um suporte coberto por um véu e, ao fundo, uma cidade à beira-mar, com navios ao mar. Por um momento, era como se aquela cena existisse e eu estivesse presente, presenciando-a, o vento morno da tarde em minha pele, o cheiro da grama fresca sob os pés de Gabriel, a beleza suave da Virgem.

Por um momento, eu era parte daquela cena e a surpresa que isso causou em mim foi tão forte e emocionante que eu chorei. Escondi as lágrimas, enxuguei-as nas mangas da blusa, seguimos através dos salões, mas eu só pensava na Virgem e em Gabriel. Não queria me separar deles, queria continuar com eles.

Ao fim daquela sequência de salas, P. parou para descansar, mas eu quis voltar. Atravessei novamente cinco ou seis salões indo contra o fluxo de pessoas. Um guarda quis me barrar, mas argumentei que tinha que ver novamente os Botticelli, e ele me deixou passar.

Finalmente, cheguei em frente ao quadro mas, ao olhá-lo nesta segunda vez, não consegui repetir a experiência; o momento único havia passado e, com ele, o encanto. Era apenas um quadro.

Voltei a chorar, dessa vez de saudade do anjo, do cenário, de estar presente naquele lugar suspenso, junto daqueles personagens."


Hoje, ao reescrever e reler estas palavras, revivo a sensação: eu estive lá, presenciei a Anunciação. Este quadro vive dentro de mim. E uma parte de mim continua lá, junto da Virgem e de Gabriel, imortalizada na luz pálida da tela de Da Vinci.






sábado, 12 de julho de 2008

Queen e o mundo corporativo

Muitas impressões da experiência em Paraty, a maior parte delas boa, uma pequena parte dura, porém, necessária para o aprendizado sobre a vida adulta, principalmente sobre a vida corporativa.

Há dois anos eu estava na Flip a passeio, embora já trabalhasse na Record. Assisti a quase todas as mesas, conheci muita gente do mercado editorial ligada a literatura, e senti uma profunda inveja boa daquele pessoal. Pensei com meus botões: "quero voltar a essa festa a trabalho. Quero ter importância nesse meio, consquistá-lo, fazer parte desse mundo".

Consegui. Este ano, eu andava pela Flip e tudo o que desejei no passado havia se realizado. Refleti: "acalme-se, porque as outras coisas que você deseja também vão se realizar, cada uma a seu tempo". Mas tudo também tem seus desdobramentos, ou melhor, tudo tem seu preço.

Durante um ano, convivi com uma pessoa que chegou lá no topo onde todos querem chegar. Cargo de destaque, super-bem-remunerado, muita responsabilidade, mas também muito prestígio etc. O dia-a-dia nos bastidores era pesado. Matar um leão por dia. Não somente pelo trabalho em si, mas porque era atacado de todos os lados: por cima, por baixo, pelos lados. Eu assistia àquilo e julgava (ó pecado mortal!) que era culpa da própria pessoa, por seu jeito meio "bélico" de ser.

Mas não. Após essa vivência na Flip – onde não cheguei em topo algum, não fui remunerada a mais por todo o trabalho, talvez tenha ganhado somente um pouco mais de prestígio – percebi que é uma consequência natural de crescer, aparecer... É cruel, mas é verdade. Vivendo e aprendendo!

Me diverti muito, mas também me aborreci nesta Flip. Fiquei um pouco baqueada porque a felicidade pela realização do sonho era tão grande que eu queria que fosse só ela, brilhando, dentro de mim. Mas parece que os outros enxergam esse brilho e vêm atrás.

Conversei rapidamente com uma pessoa mais velha que já passou por tudo isso. Conselho dela: "se você não der bola, nada acontece. As empresas criam seus próprios monstros, depois têm que matá-los. Não ligue. Siga em frente!"

Yes! À noite, pus Queen para tocar – Don´t stop me now/ I´m having such a good time/ (...) Yes, I´m a rocket ship on my way to Mars on a collision course/ I am a satellite, I´m out of control/ I´m a sex machine ready to reload, like an atom bomb about to - oh, oh, oh, explode!... So, don´t stop me now.



Dancei, dancei, sozinha na sala da minha casa... Minha filha e a gata passavam pelo corredor e olhavam com os rabos dos olhos.

Passou! Ficou tudo no chão da sala, no dia seguinte a empregada varreu e jogou fora. Segui em frente! Sigo em frente. O que é menor, fica para trás. O aprendizado e as conquistas permanecem.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Top 10 da Flip 2008 (para encerrar o assunto)

1) Contardo Calligaris.

2) Flipinha - A festa das crianças cresceu e apareceu. Se boboear, foi mais animada que a Flipona.

3) Pernas da Zoë Heller - A autora de 43 anos deixou-as de fora o tempo todo: vestidinhos, shortinhos, bermudas... Longas e bronzeadas. O jornalista Álvaro da Costa e Silva, vulgo Marechal, elegeu e todos concordaram.

4) Marido da Zoë Heller - O barrigudo e bonachão Larry é um dos roteiristas colaboradores da minisérie The Sopranos, exibida no canal HBO. Nosso querido Marechal, mais uma vez, foi quem descobriu e noticiou ontem no Caderno B do JB.

5) Che Bar - O bar da Editora Record em parceria com a cerveja Devassa bombou. As equipes de todas as editoras se encontravam e confraternizavam lá. Deu no Publish News.

6) Praia da Jabaquara - Opção a 3 minutos de carro ou táxi de Paraty. Silêncio e praia limpa na porta de casa. No início, estava de nariz torcido; no fim, não quis mudar para o Centro Histórico mesmo com vaga em pousada 5 estrelas lá. (Me contaram que tinha obra ao lado, preferi ficar na Jabaquara...)

7) Palmito na manteiga do Restaurante do Hiltinho - Ao lado da Igreja da Matriz, o restaurante serve como acompanhamento palmito Juçara ou Jiçara cozido e passado na manteiga (não consta no cardápio, tem que pedir). Simplíssimo e delicioso. Hummm!...

8) Comer um doce na praça - Cuscus branco, cocada, queijadinha, bolo de aimpim... R$ 2,50 cada.

9) Sala de imprensa da Flip - Um oásis com uns 20 computadores todos funcionando, água fresca, cafezinho, banheiro limpo e um quintal siliencioso onde dava pra falar ao telefone com calma. Foi lá que atualizei o blog todos os dias.

10) Livraria Nova Paraty - Do outro lado da praça, escondidinha, perto do mar, muito mais tranquila do que a Livraria da Vila e com o mesmo acervo. Aberta todos os dias do ano.

Até 2009, Flip!...

domingo, 6 de julho de 2008

Frases e diálogos (continuação da postagem anterior)

Frases da Flip 2008

"Rapaz!... Naquele tempo era mais fácil arranjar mulher, bastava comprar um pouco de milho."
Xico Sá comentando o fato de Jaime Ovalle ter se apaixonado por uma pomba que pousava na sua janela todos os dias.

"Para que serve a ficção? Para fazer feliz quem escreve!"
Alessandro Baricco, em resposta ao mediador "inteligente".

"Então, Tom e eu... (pausa). Nunca pensei que um dia diria essa frase: Tom e eu."
Luis Fernando Veríssimo apresentando Tom Stoppard e expressando sua admiração por ele.

Diálogos improváveis (mas verídicos) da Flip 2008

"Conta aquela da bunda!..."
"Que bunda? Você está me confundindo com o Drummond. Ele é que escreveu poema sobre a bunda em O amor natural."
"Não!... A bunda cheirosa!..."
"Bunda cheirosa? Querido, você sonhou!..."
A poeta Elisa Lucinda, em recital no Che Bar, respondendo a pedido de um jornalista ébrio diante de uma platéia lotada e perplexa.

"Sou contra o narrador onisciente em terceira pessoa, contra a igreja, contra o Islã, contra as pessoas que comem carne, contra Einstein e Newton, que ficavam fazendo contas e ditando regras ao mundo, contra Darwin, pois acho que a teoria evolucionista que ele inventou não faz sentido".
"Mas o senhor é contra quase tudo. Existe algo que seja a favor?"
"Sim, sou a favor da felicidade e de viver intensamente o momento presente. Por exemplo, aqui e agora, estou imensamente feliz de estar falando para vocês."
Fernando Vallejo, recebendo aplausos da platéia.

Até que enfim esquentou!

Ontem, finalmente, a Flip morna esquentou. O aumento da temperatura começou com a mesa do inglês Neil Gaiman, que atraiu a juventude dark, punk e clubber de São Paulo a Paraty. Não assisti à mesa, mas sei terminou às 13h15 e às 16h a fila de gente vestida de preto, cabelo moicano, tatuagens, piercings aqui e acolá ainda era looonga. Mr. Gaiman deve ter ficado com a mão doendo, se é que não teve uma tendinite! Sorte da Editora Conrad, que publica a maioria dos livros do escritor.

Às 15h, começou a conversa entre o simpático Alessandro Baricco, escritor italiano cuja obra foi adaptada para o cinema mais de uma vez, e o charmosíssimo Contardo Calligaris. O mediador, Manuel da Costa Pinto, falava demais e se esforçava demais por fazer perguntas "inteligentes" (um saco!). Ao mencionar uma afirmação de que o cinema é hoje a arte que melhor expressa ou reproduz a a vida privada humana, ouviu de Contardo: "Não concordo, pois a literatura, justamente talvez por mostrar menos, e por seus recursos próprios, como as diferentes formas de contar uma história, fala sobre a vida humana de maneira ímpar, pois cada escritor tem seu modo de pensar e de dialogar com o leitor".

Contardo é um fofo! Quando eu trabalhava na Editora Campus/Elsevier, tive a oportunidade de fazer o lançamento de seu livro Cartas a um jovem terapeuta. Na primeira reunião, esperava um sedutor – pois muitos psicanalistas usam a aura de poder e charme da profissão para exercitarem sua sedução. Mas não. Foi seco e direto, sem margem a conversa fiada. Passei a considerá-lo ainda mais por isso.

Ao fim da conferência dele com Baricco, comprei O conto do amor – seu primeiro romance, lançado pela Cia das Letras – e estou lendo. É uma história de amor passada na Toscana, Itália, e ele se expõe bastante, o que é admirável.

Na mesa das 17h, dois escritores que eu não conhecia travaram um divertido e espinhoso diálogo: Cees Nooteboom e Fernando Vallejo. O primeiro, holandês, viaja o mundo (por isso me interessei!) e escreve livros de viagem e romances passados em países longínquos. O segundo, colombiano radicado no México, é um senhor meio rabugento, vegetariano e excêntrico. Muita gente o destestou, mas eu adorei. Mais abaixo, reproduzirei um diálogo dele com o mediador – excelente! – Ángel Gurría-Quintana, que participou de todas as Flips até hoje.

Às 17h, Luis Fernando Veríssimo apresentou o dramaturgo Tom Sttopard na mesa mais esperada da Flip. Stoppard preferiu falar de pé e era muito difícil seguir seu raciocínio. Desde dicas sobre a relação entre linguagem e imagens, pois é dramaturgo e roteirista, até citações de filmes que viu, etc. Confesso que me cansei e fui embora no meio.

Hoje, às 17h, é a mesa Livro de Cabeceira, na qual alguns autores, não todos, lêem livros que marcaram suas vidas. Da Record, estarão lá Zoë Heller e Cintia Moscovich.

sábado, 5 de julho de 2008

Impressões de uma Flip morna...

Aguardo a hora de assistir a Contardo Calligaris e Alessandro Baricco, na mesa Fábulas italianas, e corri à sala de imprensa para mais novidades e impressões sobre esta Flip, que está sendo considerada pela maioria como a Flip morna... Sim, porque até agora, tirando Roudinesco e a mesa das três super-poderosas, que comentei ontem, nada de emplogante acontece nesta "festa" literária.

Ontem houve o jantar da Editora Record e sentei-me ao lado do escritor pernambucano Marcelino Freire, agitador cultural, morador da Vila Madalena, que desde o primeiro ano da Flip comparece em Paraty. Compartilhamos nossas impressões que, de modo geral, são as mesmas: a programação é fraca, debatedores discorrem longamente sobre a rebimboca da parafuseta, a mudança da Livraria da Vila para o outro lado do rio é negativa – muita gente deve desistir de ir atrás dos autógrafos ou para tomar um café na tenda dos autores, ou porque está com preguiça, ou porque vai deixar pra depois... E depois não acontece.

Além disso, as mesas sempre foram compostas de dois escritores e um mediador. Uma hora para o debate e meia hora para as perguntas da platéia. Este ano, várias mesas têm três autores e um mediador – o que é muito, demais! – e não há espaço para as perguntas.

Uma pena, comentamos eu e Marcelino, porque se no ano que vem a Flip não se recuperar, é provável que a festa entre em decadência e acabe. Tristíssimo de imaginar, porque este é sem dúvida o melhor evento literário do ano! Paraty é uma cidade maravilhosa e a Flip sempre trouxe estrelas como Ian McEwan, Toni Morrison, Salman Rushdie (com quem tenho foto abraçada no meio do forró de sábado à noite na Praça da Matriz, em 2005. E olha que eu nem estava trabalhando este ano!).

Ano passado, tínhamos Amoz Oz, J.M. Coetzee e Nadine Gordimer – estes dois últimos, ganhadores do Prêmio Nobel! E este ano? Ofereci Lya Luft ao curador Flavio Moura mais de uma vez. A autora tem livro novo, está na lista de mais vendidos desde a publicação. Argumentei: "vamos repetir Adélia Prado em 2006, cuja fila de autógrafos atravessava a ponte sobre o rio Perequê!" Ele não se manifestou. Não dá para entender...

Bem, agora vamos falar da parte boa: o "Bar da Editora Record", que na verdade é o Che Bar, na Praça da Matriz – o bar mais animado e transado de Paraty –, com o qual firmamos parceria, é o point de reunião do mercado editorial na Flip. Ontem, estavam lá as equipes da Objetiva, Rocco e Casa da Palavra. Marta Ribas, dona desta última, prometeu festa de arromba hoje à noite, com música do Dj Dodô, presente na Flip, num lugar obscuro chamado Lado B. Marta sabe fazer festa, no ano passado ocupou o Che Bar com uma que deixou lembranças (boas e ruins) comentadas até hoje...

Chega! Amanhã tem mais. Até!!!

sexta-feira, 4 de julho de 2008

A Flip da escatologia (até agora)

Segundo dia de FLIP e duas das mesas que chamaram mais atenção até agora versavam sobre: pentelho, bunda, cu, boceta...
Ontem, a mesa Conversa de Botequim trazia o jornalista Humberto Werneck, homem distintíssimo, cultíssimo, que está lançando biografia do poeta e compositor Jaime Ovalle, pela Cosac & Naif, O santo sujo. Ninguém sabe direito quem foi Jaime Ovalle, mas graças a Werneck a obra do artista, que foi um figuraço, pelo que pudemos ouvir, veio à Luz.

O problema é que o interlocutor – o escritor pernambucano que vive em SP, Xico Sá – falava uns três palavrões por frase e dizia coisa com coisa. Lá pelas tantas, confessou que havia pego o brinde dado pela produção da FLIP – uma garrafa da cachaça Maria Isabel, fabricada pelo príncipe Dom Joãozinho – e virou numa garrafinha de água mineral vazia, andando com ela debaixo do braço pela cidade. Ou seja, devia estar completamente bêbado. Moral da história, Werneck monopolizou a mesa e no final somente ele deu autógrafos a uma longa fila na Livraria da Vila. Xico Sá sumiu.

Hoje, agora às 11h45, houve a mesa com João Gilberto Noll, consagrado escritor gaúcho (da Record) e a cineasta argentina Lucrécia Martel. Noll é gay assumido, mas muito discreto. Quer dizer, só pessoalmente, porque na escrita é totalmente escatológico.

O novo livro, Acenos e afagos, que acaba de sair da gráfica e veio direto para Paraty, é narrado por um velho que conta suas estripulias sexuais. Noll leu um trecho interpretando um velho, voz de velho, falando horas sobre pentelhos e uma transa homossexual entre adolescentes: pintos, perus, caralhos e pentelhos, muitos pentelhos... Maravilhosamente bem escrito, mas teve gente se remexendo nas cadeiras.

Quanto a Lucrécia Martel, um vexame, conteúdo zero. Começou a explicar que costuma filmar na província de Salta, norte da Argentina, porque nasceu lá e gosta da comida... Várias pessoas se levantaram e foram embora.

A parte boa (mas obscura..)

A psicanalista francesa Elizabeth Roudinesco prendeu a atenção da platéia ontem ao discorrer sobre as perversões humanas: o que era considerado perversão no passado e não é hoje, e vice-versa. A perversão do estado – caso do nazismo. Sexo com animais, sexo com crianças, o terrorismo como perversão. Roudinesco fala sobre tudo com uma naturalidade e sempre deixando claro que ela nada tem a ver com o tema, apenas o escolheu como objeto de estudo. Eu, cá com meus botões, fique pensando que ela não deve ser tão boazinha assim, por escolher estudar temas tão cebeludos! O livro de madame Roudinesco é A parte obscura de nós mesmos (Zahar) e a fila dos autógrafos dava voltas e voltas.

A mesa das 19h, por sua vez, juntou as escritoras poderosas(!) Inês Pedrosa (portuguesa, Alfaguara), Zoe Heller (inglesa, da Record) e Cintia Moscovich (gaúcha, também Record) para um bate papo que começou com o tema Sexo, mentiras e vídeotape mas se encaminhou para um debate sobre os estereótipos femininos. "Existe uma literatura feminina?" (surgiu esta pergunta idiota). "Não existe literatura feminina ou homossexual ou feita por negros. Existe literatura: ou é boa ou é ruim", respondeu Inês Pedrosa, sob uma salva de palmas.

A autora foi editora da Marie Claire portuguesa durante 10 anos e defendeu as revistas femininas quando são feministas – caso da Marie Claire. E esfregou na cara dos brasileiros uma recente conquista das mulheres portuguesas: no ano passado foi aprovada uma lei em Portugal que permite a interrupção da gravidez indesejada. Podem dizer que os portugueses são antiquados e atrapalhados, mas nesse quesito eles galgaram várias posições à nossa frente!

Enfim... É isso! Agora, volto à correria e depois conto mais. Até!