domingo, 17 de julho de 2016

Itacoatiaras do Ingá (último post sobre a viagem à Paraíba)

Na chegada a João Pessoa, vi no aeroporto fotos de atrações turísticas da Paraíba, dentre elas, uma pedra com inscrições lindíssimas, lembrando a arte de Tarsila do Amaral. Dizia a legenda: Itacoatiaras do Ingá. Comentei com minha anfitriã, a escritora paraibana Marília Arnaud – que assina a apresentação do livro que reúne textos deste blog – e ela imediatamente tratou de se informar para realizar o meu desejo de conhecer a ‘pedra pintada’ (significado de Itacoatiara, termo indígena).

Ao final da jornada em Campina Grande, partimos para Ingá, cidade às bordas do sertão. Chegando lá, encontramos o parque fechado – muito embora a internet dissesse que estaria aberto de oito da manhã às quatro da tarde, aos domingos. Era perto do meio dia. Uma casa de família, a cerca de 200 metros, funcionava como restaurante a todo vapor. Fomos até lá e informaram que o secretário de turismo, Vavá da Luz, tinha ido almoçar na cidade e mandara fechar o parque. Pedi o telefone da autoridade e toca a ligar, ligar, e nada. Vavá não atendia. Na falta de alternativa – e tendo que embarcar de volta para casa dentro de algumas horas –, encontramos o jeitinho brasileiro de entrar: por um buraco na grade do parque. Lá fomos nós, Marília na frente. Parahyba é terra de mulher valente, sô!

A Itacoatiara fica em meio ao leito de um rio muito bonito, onde pastam cavalos e bois. É uma pedra larga com a forma de um lagarto. As inscrições tomam toda uma encosta plana e vertical, como se fosse um mural. O incrível é que não se trata de pinturas rupestres, como na maioria dos sítios arqueológicos, mas de gravações em baixo relevo na pedra. Sulcos arredondados, suaves. Formas tão modernas quanto a arte da Tarsila. Vislumbro um lagarto, um abacaxi, um sol. Junto de nossos pés, estrelas. A constelação de Orion, explicam mais tarde.

Nisso vem chegando Ana Bela, amiga da Marília, com um casal.

- Olha aqui, esse moço é da polícia, agora vocês expliquem como conseguiram entrar...

Brincadeirinha...

Um rapaz autorizado por Vavá veio e abriu o portão do parque. Nem se incomodou com a nossa invasão, deu risada – Ó meu Brasil! Contou que arqueólogos do mundo inteiro já estiveram ali estudando as inscrições. Alguém disse que datam de 5 mil antes de Cristo. Ninguém sabe com que técnica ou instrumentos foram feitas. Um museu fechado – esse ninguém tinha a chave – continha ossos de tatu e preguiça gigantes e de toxodonte (espécie de anta pré-histórica), além de pedaços de artefatos antigos, provavelmente das pessoas que ali viveram. O guardião do parque conta ainda sobre a ‘pedra do sino’:

- Uma pedra comprida e achatada, que a gente batia nela e fazia barulho igual a um sino.

- Cadê ela?

- A enchente levou...

Em 2004 e 2006 o rio subiu – algo que não acontece mais – e levou a pedra sonora. Procuraram, procuraram e não encontraram. Cheia de mistérios essa Itacoatiara do Ingá.

O passeio terminou no tal restaurante familiar, degustando galinha de capoeira (galinha caipira) e carne de sol com farofa e cerveja. A conta: R$ 20 reais.

Fui embora com dó no coração, porque a festa já ia começar, sanfoneiros se arrumando para tocar um forró. Convite do dono:

- Voltem na quinta feira (dia de São João).

Voltarei sim, em breve.

Abaixo, eu Anabela (esq.) e Marília em frente à Itacoatiara do Ingá.

domingo, 10 de julho de 2016

Nordeste de antanho

Ainda em Campina Grande, o Sítio São João foi o lugar onde me senti mais perto daquilo que ansiava: o Nordesde de antigamente, que conheci em viagens na época da faculdade, quando me mandava de ônibus (48 horas) para o Ceará e percorria praias hoje famosas como Jericoacoara, Canoa Quebrada e outras.

Ingressamos em uma grande área de terra batida onde uma cidade cenográfica reproduz o Nordeste de antanho. Casinhas de pau a pique sem forro e sem portas, camas tortas, prateleiras toscas, fotos antigas nas paredes, banheiro do lado de fora. Nada disso existe mais, dizem. Hoje todas as casas tem seu banheiro construído, toda pequena cidade tem um mercadinho com iogurte, leite em caixas etc. Melhor, com certeza. Mas que bom que conheci o Nordeste de antigamente. Este ainda vive dentro de mim nas melhores lembranças da juventude.

Na chegada a João Pessoa, em voo tardio – mais barato – ao pisar fora do avião reconheci o cheio das madrugadas em que acordávamos antes do sol nascer, e pegávamos carona até a rodoviária para embarcar em seis a oito horas de viagem até praias longínquas e inexploradas como a própria Jericoacoara. Não havia pousadas e nos hospedávamos nas casas das famílias, dormindo em redes na sala, comendo arroz, feijão, macarrão e peixe todo dia, e tendo que sair ao relento para ir ao banheiro, onde uma galinha encarapitada entre as taipas cacarejava assustada denunciando o nosso xixi noturno. O cocô era em um areal mais distante, onde cavávamos um buraco e depois enterrávamos nossos despojos. Pagávamos nossa estadia com escambo – talco, ou ‘pó branco’, era dos bens mais valorizados.

Abaixo, foto da família que nos hospedou dois anos seguidos em Jericoacoara, a primeira vez em 1987. Um ano depois, 1988, quando voltamos sem avisar, ao nos avistar, a filha mais velha:

- Mamãe, as meninas chegaram!