terça-feira, 30 de março de 2010

Considerações sobre a profissão - I

Muitas vezes em minha vida eu questionei a carreira que escolhi, o jornalismo. Se, por um lado, fui muito feliz conhecendo um monte de gente e me mantendo fiel à escrita – por isso escolhi a profissão –, por outro pensava:

O jornalismo tira toda a poesia da escrita, somos treinados a cortar palavras, escolher as mais precisas e diretas, abolir floreios ou imagens ou metáforas. Isso vai contra a escrita literária, atrapalha, tolhe a criatividade”.

Ao longo de 5 dias nas Correntes D´Escritas, ouvi inúmeros escritores falarem sobre a criação literária. A platéia feita simples mortais – eu, inclusive – escutava embevecida, pois tudo o que era dito parecia tão difícil, inatingível, inapreensível! Mais eis que havia alguns jornalistas-escritores no meio dos escritores literários, que nos puxavam para a realidade.

Um deles, Luis Naves (foto), repórter do Diário de Notícias e mantenedor do blog As penas do Flamingo, disse algo que muito me emocionou. Foi assim:

Muito aqui se falou sobre transcender a realidade, buscar palavras para o que está além da realidade. Mas o mais importante, para mim, é aproximar-me da realidade. Vou explicar porque.

Eu estava cobrindo um conflito armado e, numa hora de descanso, sentei-me em uma cadeira com uma garrafa plástica de água nas mãos. Um raio de sol veio pousar na garrafa e projetou um arco-íris no chão. Eu estava distraído observando o fenômeno quando se aproximou uma criança de uns 5 anos, suja e maltrapilha, e pôs-se a olhar a garrafa. Achei linda a criança e balancei a garrafa fazendo o arco-íris brincar no chão. Vi toda a poesia do momento e estava encantando quando ela disse:

- Dá-me água.

Caí das nuvens. No meu delírio poético-literário, não consegui enxergar uma necessidade tão básica daquela criança, que estava com sede.

Por isso, a realidade é tão importante para mim. A minha meta na literatura é estar cada vez mais próximo da realidade
”.

Ao ouvir isso, senti muito orgulho da minha profissão. Não houve engano, não há lamento. Sou, antes de tudo, jornalista.



sexta-feira, 26 de março de 2010

Shahid

Shahid é um dos 99 nomes de Deus segundo o Islã. É um dos atributos ou manifestações de Deus e significa A Testemunha.

Um dia, quando estava para abrir a minha micro-empresa, me perguntaram qual seria o nome e eu abri aleatoriamente livro Os mais belos nomes (The most beautiful names, de Bayrak al-Jarrahi Al-Helveti). Caí nesta página. Pronto, estava escolhido o nome e eu interpretei que Ele seria A Testemunha dos meus passos, dos meus ganhos, das minhas conquistas.

Assim, apresento-lhes o site da minha agência, Shahid Produções Culturais.


http://www.shahid.com.br/


É o resultado de um ano e meio de intenso trabalho para erigir a base de um castelo que pretendo que seja grande e sólido. No início, não havia nada, só um sonho. Mas agora existe a base. E está bem sólida, graças a Deus! E a ajuda de todos os envolvidos, cujas faces podem ser vistas lá, e dos que estão nos bstidores: família, amigos, parceiros.

MUITO OBRIGADA a todos!

Obrigada a vocês também, amigos e leitores, que vêm me visitar e lêem os meus textos, pois isso alimenta um outro lado meu, o da escrita criativa, que me é tão caro. MUITO OBRIGADA a vocês também!

Na semana que vem, continuarei contando as aventuras e reflexões a respeito da viagem. Beijos e abraços!

terça-feira, 23 de março de 2010

As palavras, as memórias e o universo

Marca registrada das Correntes D´Escritas é a escolha de temas “cabeludos” para as mesas de debates. Os temas são, na verdade, frases enigmáticas retiradas de livros de literatura portuguesa. Exemplos:

1º mesa – “Escrevo para desiludir com mérito” (Agustina Bessa-Luis)
3º mesa – “Passo e fico como o universo” (Alberto Caieiro/Fernando Pessoa)
6º mesa – “O poeta é um predador” (essa, eu me esqueci de quem é!)

Um dos escritores que, em minha opinião, soube melhor aproveitar seu tempo e inspiração para discorrer sobre o tema de sua mesa foi o poeta e romancista português José Carlos Barros. A frase era “As palavras cercam-nos como muros”. Com simplicidade e singeleza, ele falou:

A descoberta das palavras é indissociável da minha infância. Nasci no interior, um lugar mágico onde o sobrenatural convivia com o cotidiano. Os habitantes, mesmo analfabetos, davam muita importância à palavra e aos livros. Nos negócios, diziam: Dou-te a minha palavra. E aquilo valia como um documento escrito”.

Ele narrou episódios da sua infância em que a palavra e seu significado foram protagonistas de situações bem engraçadas.

Na aldeia onde eu nasci, as pessoas mais velhas não acreditavam que o homem tivesse ido à Lua. Argumentei:

- Mas vovô, vou à cidade buscar o jornal para que o senhor veja o que está escrito lá.

- Bah, e ainda acreditas no que está escrito os jornais?

Na aldeia havia uma moça muito dada e liberal cuja alcunha era, justamente, Lua. Um dia, meu pai chegou em casa dizendo:

- A grande novidade por aí é que os americanos foram à Lua. Grande coisa, pois a maioria dos jovens da cidade já lá foram
!”

Uma delícia, ouvir os causos do José Carlos Barros! E ele arrematou: “A literatura, para mim, é a construção de memórias e de universos”.

Palavras e memórias, vocês têm algum causo semelhante em seu universo?

sábado, 20 de março de 2010

Lembranças do Brasil - 2º parte

"De volta a Manaus, fomos morar na fazenda de um tio em uma ilha fluvial no meio do Rio Amazonas. Ficamos três, quase quatro anos lá, sem estudar. Passávamos os dias correndo no meio das árvores, brincando de pegar e de esconder. Comíamos mangas e goiabas tiradas do pé, desenterrávamos ovos de tartaruga da beira-rio para comer batidos com açúcar".

(Nesse ponto da conversa, a alegria e a nostalgia dessa infância passada no Brasil transpareciam nos olhos e no sorriso do homem, e contagiou a todos).

"Emborcávamos grandes panelas de cobre nas águas barrentas do Rio Amazonas, para que servissem como bóias, e saíamos batendo os pés. É claro que tinha perigo: cobras d´água, piranhas, mas a gente não pensava nisso e não havia adultos por perto para nos impedir.

Enquanto isso, meu pai, em Portugal, aliado a um tio, tramava a nossa volta para Póvoa de Varzim. Certa noite, meu tio apareceu na casa e anunciou que tinha ido nos buscar. Mandou que fizéssemos a mala para partir com ele. Chegamos a ir ao aeroporto, mas na hora do embarque, minha mãe apareceu e impediu. Foi uma confusão, mas o fato é que nós não viajamos: voltamos para a fazenda!

Alguns meses se passaram e houve uma nova investida do meu pai. Munido de um mandato judicial, meu tio reapareceu. Dessa vez, não houve jeito: fomos embora com ele deixando minha mãe, a fazenda e o Rio Amazonas. No fundo, eu sabia que aquilo era o correto. Mas a tristeza dentro de mim era enorme.

Nunca mais voltei ao Brasil. Hoje, olhando para trás, vejo como tudo isso marcou profundamente a minha vida. Eu poderia ter me tornado um desastre, um revoltado. Mas, por algum motivo, escolhi o caminho do Bem.

E as lembranças da Amazônia são como uma jóia preciosa que eu guardo dentro de mim".


quarta-feira, 17 de março de 2010

Lembranças do Brasil - 1º parte

Conheci muita gente nas Correntes D´Escritas. Cada dia, eu me sentava em uma mesa diferente à hora do almoço e do jantar. Fazia isso intencionalmente. Deixava o coração me guiar até o lugar "certo" e me aproximava:

- Esse lugar está vago? Posso me sentar com vocês?

- Claro, claro! - Os portugueses são muito abertos e simpáticos. Como nós, brasileiros. Irmãos mesmo.

Num desses almoços, fui parar ao lado de um destacado cidadão de Póvoa de Varzim, que pediu para não ser identificado, mas que me autorizou a contar sua hístória no blog. Porque é uma história de cinema! Daria um romance, uma saga... Todos os escritores à mesa concordaram com isso.

O papo começou justamente porque eu sou brasileira. Esse fato levantou a tampa de um baú de lembranças preciosas, que transportou a todos nós à Amazônia, 50 anos atrás.

"Meu pai nasceu em Póvoa de Varzim. Aos 18 anos, em busca de novas oportunidades, entrou em um navio e foi parar no Brasil, desembarcando em Manaus. Porém, como era analfabeto, acabou virando trabalhador escravo. Trabalhava, trabalhava, mas era obrigado a pagar por casa e comida e sua dívida só aumentava.

Nessa época, ele conheceu minha mãe, uma jovem linda e loura da sociedade de Manaus. Um amor improvável, mas que frutificou. Meu avô, em Portugal, endividou-se mas financiou o matrimônio à distância. Meu pai melhorou de vida, deixou de ser trabalhador escravo e, pouco tempo depois, eu nasci. Nasci em Manaus! Um ano mais tarde, chegou minha irmã.

Quanto eu tinha quatro anos, meu pai decidiu voltar para Portugal. Fizemos uma longa viagem de navio até a Póvoa de Varzim. Entretanto, as coisas não saíram como planejado. Ao se ver presa em uma cidade pequena, longe da família e da vida agitada que tinha em Manaus, minha mãe caiu em profunda depressão. Meu pai, para piorar, passados os primeiros anos de casamento, revelou todo o ser caráter bruto e bronco. Fazia estupidez, gritava com ela...

Certo dia, meu pai chegou à casa e encontrou-a vazia. Nenhum móvel, nada! Minha mãe havia chamado o comerciante de móveis e vendido tudo. Com o dinheiro, foi-se embora com os filhos, de volta para casa, o Brasil! Lembro-me de ver minha casa se distanciando, ficando pequenininha, através da janela de trás do táxi..."

(continua)


segunda-feira, 15 de março de 2010

Londres


Eu a reconheci do Guinness Book: Elaine é a pessoa com maior números de piercings em todo o mundo. Ela é brasileira e mora em Londres há muito tempo! Falamos em Português e ela foi simpática. A foto foi tirada em Southbank, embaixo da London Eye (roda gigante que é uma espécie de Pão de Açúcar lá).
Agora a viagem acabou. Aos poucos vou contar as passagens mais marcantes e voltar a comentar os blogs.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Madri

Sempre penso em Madri me lembro da primeira sequência do filme Carne trêmula, do Almodóvar, em que uma jovem prostituta começa a ter as dores do parto e a cafetina a leva ao hospital de ônibus. É o transporte público e as ruas estão desertas porque há toque de recolher - é a época da ditadura de Franco. Após muito rodarem sem encontrar hospital, a criança acaba nascendo no ônibus. É um menino e lhe é dado nome na hora, Victor. A cafetina, então, enrola o bebê em um lenço, levanta-o nos braços e mostra a ele a cidade adormecida, dizendo:

- Mira, Victor: Madrid!

E agora sou eu quem mira Madrid de todos os lados, principalmente camiñando por las calles repletas de gente. A cidade nunca dorme. Com chuva ou sol, calor ou frio, seja segunda ou sábado ou domingo, sempre ha gente andando para lá e para cá, velhos e novos, adultos e criancas, todo mundo na rua! Os bares lotados, o chão sujo (todo mundo joga tudo no chão, não nas ruas, mas nos bares sim). E fumam o tempo inteiro, em lugares fechados ou abertos. Ou seja, Madri me lembrou a Lapa em termos de animação!

Às duas da tarde, todo o comércio fecha. Inclusive os bancos e farmácias (menos El corte Inglés - gigantesca loja de departamentos presente em toda Espanha), para reabrir as cinco, e vao ate as oito. Minha amiga brasileira que vive aqui diz:

- E depois reclamam da crise. Não gostam de trabalhar!

Falo sobre isso com um espanhol e ele:

- Não se trata disso. Trabalhamos com metas e utilizamos o tempo de forma justa e assertiva. Não adianta passar o dia inteiro na frente do telefone ou do computador sem fazer nada.

Pode ser. Mas vale lembrar a frase de outro espanhol genial, Pablo Picasso, impressa em xícaras e lápis à venda na lojinha à saída do Museo Reina Sofia - onde esta o seu quadro mais famoso, Guernica:

"A inspiracão existe, mas você tem que estar trabalhando".

Abaixo, estátua de Goya em frente ao Museu do Prado.



Escultura de Miró no jadim interno do Reina Sofia.



Folheto de exposição de Miró assinado pelos amigos que foram dar uma força: Picasso, Paul Éluard, Blaise Cendars, Max Ernst...



Parque Retiro


Detalhe de quadro de Salvador Dali no Reina Sofia.


domingo, 7 de março de 2010

O Porto

Eu gosto das cidades muito velhas, que nos fazem pensar em todas as vidas que por ali passaram, todas as conquistas e tragédias.

O Porto é assim. Na época da ocupação romana, barcaças vindas de Roma subiam o Rio D´Ouro para recolher o precioso vinho produzido em suas margens, a fim de abastecer o império. E o Infante D. Henrique, que criou a Escola de Sagres que deu origem aos descobrimentos, nasceu nesta cidade. Quanta História!

O Porto é uma cidade cheia de fantasmas, não tenho dúvida. Muitos edifícios estão abandonados ou têm andares abandonados. Janelas quebradas com cortinas rasgadas revelam o interior negro e vazio – o que desencanta minhas colegas de viagem.

- Isso é tão deprimente! – diz uma.

- O que o governo está esperando? – indaga a outra.

O aspecto decadente não me afeta de forma negativa, pelo contrário, acho tudo pitoresco e encantador, e tenho a certeza de que essa velha cidade que já viveu tantas coisas vai superar ainda mais este problema.

Querem ver?

Chegamos ao Porto com chuva torrencial e o nível do rio D´Ouro altíssimo.








Na Ribeira, a cheia do rio provoca inundações que afetam todo o comércio local: restaurantes, lojas, cafés. Pergunto à dona do tradicional restaurante Chez Lapin o que fazem quando vem a cheia e ela:

- Nada. Fechamos a loja e a água vem cá dentro.

Mas como assim? Molha tudo? Retiram os móveis?

- Não, os móveis são de madeira, não há problema. Depois que o rio desce, vêm os bombeiros, limpam a lama e começamos de novo.




No dia seguinte, entretanto, soubemos que em vez de invadir as casas, o D´Ouro recuou. E o sol, contrariando a previsão metereológica, nasceu brilhando em céu azul. Foi um lindo dia no Porto.






quarta-feira, 3 de março de 2010

A história das Correntes

As Correntes D´Escritas começaram há 11 anos. Francisco Guedes foi visitar o Salón Del Libro de Gijón – festival literário organizado por Luis Sepulveda na cidade de mesmo nome, no Norte da Espanha – e teve vontade de empreender algo semelhante em Portugal. Em Gijón, a proposta já era convidar e divulgar escritores de idiomas ibéricos, mesmo desconhecidos do grande público, desde que tivessem boa qualidade literária.

De volta a Portugal, o destino fez com que Guedes encontrasse Luis Diamantino, outro apaixonado por literatura, que acabou na política por acaso: é vereador em Povoa de Varzim. Este também andava a pensar em como promover a cultura e a literatura em sua cidade. Desse encontro, fez-se a luz!

No primeiro ano, participaram do evento 23 escritores. Do Brasil veio um jornalista famoso por sua verve ferina.

- Passou um dia na Povoa e se foi com duas gajas ao Porto – foi o que me disseram.

De volta ao Brasil, o moço escreveu: “Póvoa de Varzim é a cidade mais feia que já vi na vida. Ir a Povoa de Varzim a a Chernobyl é a mesma coisa”.

As autoridades levaram a revista a Diamantino.

- É para isso que pediste tanto dinheiro?

Pior aconteceu. Certa noite, após o jantar, incentivaram um poeta performático português a declamar algumas poesias e o homem escolheu um poema pornográfico de Bocage. Não apenas declamou como interpretou cada palavra e frase.

Diante do constrangimento da platéia, chamaram-lhe em um canto e pediram que parasse. O homem ficou indignado. Para vingar-se, no dia seguinte, selecionou trecho especialmente picante do livro do escritor moçambicano Mia Couto, presente nas Correntes, e leu em voz alta, com nova interpretação acalorada. Mia Couto afundou na poltrona mais vermelho que um pimentão.

Não contente, o tal performático ainda foi à imprensa e espalhou que havia sido vítima de censura nas Correntes D´Escritas. Todos os jornais e revistas, na época, noticiaram o fato, o que provocou tamanha dor de cabeça nos organizadores, que imaginaram que aquela seria a primeira e última edição do evento.

Mas como a vida sempre surpreende, todo esse falatório sobre performances pornográficas em Povoa de Varzim terminou despertando o interesse do público, que a partir de então prestigia o evento.


Abaixo, todos os escritores juntos no palco, no encerramento do evento.




Fotos das Correntes



O jornalista e escritor Mario Zambujal entrando no ônibus que nos levava a todo lado.


Inês Pedrosa, lindinha, dando entrevista à TV.


O pintor e "acervo cultural da humanidade" Malangatana, de Moçambique. Aproveitei para tirar uma casquinha...


O "vereador da Cultura" Luis Diamantino. Junto com Francisco Guedes e Manuela Ribeiro, são eles a alma e as mãos que tecem as Correntes há 11 anos.



Almoço no último dia do evento: em uma linda quinta no alto da montanha.




Com o escritor Manuel da Silva Ramos, que leu o texto sobre escavar palavras em minas com capacete de mineiro (foto acima, à esq.)



O público atento no Auditorio Municipal.



A livraria na Casa da Juventude, ao lado do auditório.



Zuenir Ventura (terceiro à dir.) falando sobre o lançamento em Portugal de Inveja (Planeta).