segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Dormindo com guerreiros macedônios

Petruschesvka abriu a porta. Baixinha, cabelos ruivos com a raiz branca, alvoroçados. Mais de 70, menos de 80. Olhos puxados, olhar incisivo e uma série de recomendações em inglês truncado que me esforcei para compreender - pois senti que disso dependeria nossa relação durante cinco dias que passaria em sua casa em Frankfurt, Alemanha.

À medida que entrava pelo hall, vi a quantidade de quadros nas paredes. Pinturas de variados estilos de cima a baixo. "A senhora pintou esses quadros?" "Claro que não! Isso aqui é um museu de Arte Macedônia. Todos os quadros são de artistas da Macedônia".

Entrei no meu quarto e me deparei com um quadro enorme, desses que ocupam toda a parede, onde uma moça vestida com roupas típicas me mirava de forma inquisidora, tendo por trás uma tropa de guerreiros Macedônios com cara de poucos amigos. "Aqui é a sua cama", apontou a mulher. De frente para o quadro.


Foi difícil dormir na primeira noite... Mas, no dia seguinte, os olhares já não pareciam tão hostis. Da mesma forma, eu e meus companheiros de estadia fomos percebendo que a Petruschevska, apesar das recomendações incessantes sobre o aquecedor, as fechaduras das portas, quais luzes acender, também sabia ser doce e carinhosa.

Quando uma de nós ficou resfriada e ela preparou um chá com limão e gotas de licor macedônio. Mostrou-nos todo o museu, inclusive o porão, onde há manequins com roupas tipicas e adereços de prata e madrepérola. Ficamos sabendo que a Macedônia é, hoje, uma república situada em meio a cinco países: Bulgária, Grécia, Sérvia, Kosovo e Albânia.

Petruschevska nasceu na região onde fica a Grecia, mas a família logo foi embora. Conheceu o marido (mais novo que ela) tarde e não tiveram filhos. Ele era poeta e começou a reunir os quadros para o Museu da Macedônia. Há cerca de 15 anos, morreu de causa natural durante uma das Feiras do Livro de Frankfurt, deixando a mulher sozinha na imensa casa de quatro andares e não sei quantos quartos, todos ocupados com dezenas de obras de artistas macedonios. Na época da feira do livro, ela aluga os quartos, talvez para não se sentir tão só no aniversário da morte do marido.

No dia da minha partida - fui a última a deixar a casa -, Petruschevska me ofereceu café da manhã com pão preto e geleia de marmelos que ela mesma preparou. Ainda fez um sanduíche e me deu junto com uma maçã. Na hora de ir embora eu a abracei e pedi que abrisse a porta, de acordo com a tradição brasileira, para eu voltar logo a estar com ela no Museu de Arte Macedônia em Frankfurt.

sábado, 5 de outubro de 2013

Festa de escola

Escolas e editoras são entidades muito parecidas. Nenhuma é perfeita, as duas são cheias de defeitos e os clientes - sejam pais ou escritores - estão sempre insatisfeitos.

A escola onde matriculei meus filhos quando eram bebês e onde um deles está até hoje - a outra já entrou na faculdade - não foge a regra. É um colégio 'progressista', 'liberal' onde estudam muitos filhos de artistas. Como tudo na vida, tem um lado bom e um lado ruim. Em alguns momentos, lamentei tê-los colocado lá. Mas existe uma época do ano em que esqueço os defeitos e me vem a certeza: fiz bem. Foi a escolha certa.

É a Semana da Cultura. Durante uma semana os alunos preparam a escola para ser um imenso pavilhão de exposições dos trabalhos realizados durante o ano. No sábado, os pais são recebidos com café da manhã e visitam as salas onde há videos, instalações, declamação de poesias, performances. O clímax é o sarau de música no ginásio.

A cada ano, a Semana da Cultura é uma surpresa e uma emoção. Vejo os rostos dos colegas dos meus filhos - a maioria eu conheço desde que usava fralda e chupeta - se transformando. Uns, que não via faz tempo, reconheço os traços. Outros apresentam poemas de uma profundidade que eu não imaginava ou cantam lindamente. E, de repente, sou impactada pela consciência do tempo que passou e do que está por vir.

Esses jovens que eram bebês cresceram, se tornarão adultos, vão namorar, casar, trabalhar, procriar, sofrer, viajar, amadurecer... A grande aventura do ser humano se repetindo de forma única e especial em cada um deles.

E logo virão os filhos, que também serão matriculados em colégios, e quem sabe um dia, quando esses jovens forem pais e assistirem alguma festa de escola, terão a mesma percepção que eu tive, da infinitude e finitude do tempo, como dois lados de uma mesma moeda.