domingo, 2 de novembro de 2008

Tudo por dinheiro

"Não somos contra os outros, mas a favor de nós", diz Pablo Lima, do blog Delírios na estrada Rio-Manaus-Brasília (http://umacapitalentrerioemanaus.blogspot.com/), sobre a postagem anterior. De fato, é a lei da sobrevivência, nosso instinto mais primitivo, que nos faz, às vezes, esquecermos que somos seres "humanos".

Ainda influenciada por esse tema, saltou-me aos olhos uma notícia publicada sábado no caderno Prosa & Verso do jornal O Globo. Dizia que após décadas de hesitação o filho de Vladimir Nabokov, Dmitri, resolveu publicar texto inédito de seu pai intitulado O original de Laura. A Alfaguara acaba de adquirir os direitos de publicação da obra do autor no Brasil (antes eram da Cia das Letras) e o livro sairá em 2009. Detalhe: Nabokov morreu antes de terminá-lo e ordenou que fosse destruído.

O que leva um filho a desobedecer o desejo do pai, ainda mais se tratando de Vladimir Nabokov? Pensei com meus botões e concluí na hora: deve estar precisando de dinheiro.

Para quem não sabe, Nabokov é autor de Lolita. Era russo e tornou-se escritor consagrado escrevendo magistralmente em inglês, o que duplica meu respeito por ele.

Outra notícia admirável veio na edição de outubro da revista portuguesa de literatura Ler. Em meio a uma das mais completas reportagens sobre o Prêmio Nobel, surge a informação de que Jean-Paul Sartre recusou a premiação em 1964 argumentando que "um escritor deve evitar a todo custo transformar-se em uma instituição." Até aí tudo bem, foi um escândalo mas a justificativa era pretensamente nobre. O que vem a seguir é que é surpreendente – e pouca gente sabe: um dos membros do comitê do Nobel, em sua biografia, revelou que em 1975 o filósofo francês escreveu uma carta à academia garantindo ter mudado de idéia, pelo menos quanto ao aspecto financeiro! (Atualmente, o Nobel equivale a mais de um milhão de euros).

Ou seja, nem Sartre se salva, estamos todos no mesmo barco, sujeitos às circunstâncias da vida.




Só pra terminar a história, ele não recebeu o dinheiro. A academia alegou que o valor havia sido reinvestido na premiação e que era impossível liberá-lo após tantos anos. Pobre Sartre...

7 comentários:

Denise Egito disse...

Eu não usaria o texto do pai, não. Era a vontade dele. Não me sentiria bem contrariando meu pai, tão famoso e escritor, ainda que ele estivesse morto. Vai que eu o encontro no plano espiritual? Já vou levando uma energia negativa...Credo!

Anônimo disse...

Não sei não. Talvez o pai tivesse dito ao filho para não publicar justamente para que ele fizesse isso.
Nós filhos e filhas somos implicantes com nossos pais, talvez ele soubesse exatemente o que estava fazendo.
Melhor para a humanidade que ficou com mais uma obra importante!!
Muitos beijos,
Ana Cristina

Anônimo disse...

Não só livros, mas também músicas aparecem muitos anos após a morte do autor com o belo "inédito" estampado. Penso que os herdeiros devem ter bom senso para saber o que deve ou não vir a público. Quanto à necessidade de $$$, deve ser horrível depender da condição de "filho de", "marido de", "irmão de" para ganhar a vida...
Ah, e atendendo a pedidos, há post novo no blog. Um conto. Inédito.
beijos,
Luciana

Carolina disse...

Não sei, não talvez ele nem esteja precisando de $$$, é só uma questão de entender a grandiosidade da obra do pai e achar que não vale desperdiçar o que ele escreveu, inacabado ou não. E passar pra nós, reles mortais.

Agora se for por questões financeiras que mal há nisso? Nós, brasileiros somos tão cheios de pudores quando falamos em dinheiro.

Agora sobre Sartre o que em um momento é digno se transforma em desespero em outra situação. Tudo muda.Depende da hora para mudarmos de visão.

Sei lá pode existir tantos motivos...ou nenhum. hehehe

bjos queridos pra ti!

Pâmela disse...

Eu não sei até que ponto é válido vendermos idéias. Eu não venderia o livro do meu pai se esse fosse a vontade dele. E já o teria destruído, se ele assim pediu.
Mas cada um é um e ninguém sabe onde aperta o calo (bolso) do outro, não?
Um beijo e boa semana!

Unknown disse...

Eu acho realmente estranho e chata a situação igual a esta do filho publicar o que o pai pediu para destruir antes de morrer, chato tb ter que voltar atrás que nem Sartre, engolir o orgulho e passar por cima de antigos princípios, mas que somos nós para julgar né? Ninguém sabe todo o contexto histórico da situação para realmente avaliar o que levou a tal reação. Bom essa é minha idéia..
Ah, deixo aqui a minha sugestão para entrarem no blog " Delírios literários"http://delirios-literarios.blogspot.com/, composto por mim e mais duas amigas.
Abraços..

Valéria Martins disse...

Um grande amigo esteve aqui em casa segunda-feira e contou que muitos textos do Kafka foram publicados após sua morte, contra sua vontade. Nesse caso, sorte tivemos nós, né?, que alguém salvou os escritos da fogueira.
Vamos aguardar o ano que vem e comprar o livro do Nabokov, para ver como é. "Lolita" é um dos romances mais tristes e impressionantes que já li. Nabokov é um daqueles escritores que a gente lê e pensa: por mais que eu me esforce nesta vida, nunca vou escrever tão bem quanto ele.
Beijos em todas