quarta-feira, 16 de julho de 2008

A escravidão

Estava trabalhando em minha mesa na Record, semana passada, quando entrou na sala a moça que faz a limpeza à tarde, seguida de uma menina negra, gordinha, vestida de rosa. Enquanto a mulher recolhia o lixo das cestas, a menina ia junto ajudando, pegando os papéis amassados que caíam no chão e jogando dentro do saco plástico. Chamei a menina.

"Vem cá, pára de trabalhar, senta aqui pra ler um livro."

Peguei um livro infantil que estava sobre minha mesa, no qual há mais texto do que figuras. A menina olhou e disse:

"Mas eu não sei ler."

"Não sabe?", achei que ela estava brincando. "Quantos anos você tem?"

"Sete. Hoje eu faço sete. É o meu aniversário".

"Pois então, você vai ganhar um livro. Serve este? Tem alguém na sua casa que possa ler para você?" Ofereci o mesmo livro, porque era o único que eu tinha à mão.

Ela pegou-o, folheou e disse meio desanimada:

"A minha avó sabe ler. Mas isso tudo, acho que ela não vai conseguir ler, não."

Pedi que esperassse e fui até a editoria de infanto-juvenil. Pedi à editora um livro com mais figuras do que texto e encontrei o novo da Leticia Wierzchowski, Era outra vez um gato xadrez. Voltei com o livro.

"Toma, é o seu presente. Feliz aniversário. Este tem pouco texto e mais figuras. É a história de um gato que gosta de ler. Você vai gostar". Beijei-lhe as bochechas.

"Mas você tem que assinar." Como assim: Uma dedicatória? Eu disse que não precisava, mas ela esclareceu: "É que senão, não vão me deixar sair com ele. Eles revistam a gente na saída."

Pedi à estagiária que fizesse uma carta autorizando a saída do livro, assinei e beijei-a de novo. Ela disse obrigada e partiu.

À noite, fui narrar o episódio a minha filha e chorei.

4 comentários:

Pablo Lima disse...

não chore, caríssima; boas ações merecem comemorações e não lamentos(:
muitos ainda somos escravos de nós mesmos, e vc. vive dando provas de que podemos nos libertar!
basta lembrar que o meu aniversário é no próximo sábado e que também já ganhei, de maneira antecipada à data, dois belos livros!!!!

beijão!

Denise Egito disse...

Nossa, Val
Não sabia que essa coisa de revista ainda existia... Muito triste.
Seu gesto foi lindo. Parabéns! E que bom que ainda compartilhou com sua filhota. Essas lições que passamos para nossos filhos são importantíssimas!!!!
beijos

Anônimo disse...

Realmente é de assustar. E o pior é que a menina já está totalmente resignada com a situação, como se realmente devesse ser assim.
Ao contarmos aos nossos filhos mostramos a eles como a vida deles é boa e como nos esforçamos para que seja ainda melhor. Apesar do meu filho ter 3 anos sempre digo a ele que comida não se joga fora, pois existem crianças que não tem nada para comer. Desde cedo devemos mostrar a vida como ela é. E é claro fazermos a nossa parte para que ela fique melhor. Parabéns!
Beijos,
Ana

Márcia Régis disse...

É, são universos paralelos e ultrajantes, não fazem sentido para nós. Mas, amiga, você com certeza marcou essa menininha que, com certeza, não vai esquecer essa data. E, quem sabe, quando ela lembrar desse episódio daqui a alguns anos, movida por a razão que seja, ela tome um rumo difernete na vida ou encontre força para seguir em frente - afinal, alguém que a ela parece muito superior, certa vez lhe deu valor, carinho, um beijo e um presente de aniversário. Lindo gesto, de orgulhar... bjs