domingo, 13 de julho de 2008

Epifania em Florença

Termino de ler O conto do amor, de Contardo Calligaris, e com ele voltei a Florença, Siena, Montalcino, pequenas cidades da região da Toscana, na Itália, que tive a oportunidade de percorrer em março do ano passado (2007).


Em Florença, fui acometida pelo Mal de Stendhal e quase desmaiei dentro da Galleria degli Uffizi, diante de um quadro de Leonardo Da Vinci. Explica-se: quando o autor de O vermelho e o negro visitou a bela cidade italiana, passou mal e desmaiou dentro de uma igreja. Ao recobrar os sentidos, perguntaram-lhe o motivo do incidente e ele respondeu que não era grave, apenas ficara aturdido com tanta beleza, tivera uma vertigem florentina.


Eu também tive uma vertigem, ou melhor, uma epifania (adoro essa palavra!) diante do quadro Annunciazione (1475-1480), e registrei a experiência em um diário assim que retornei ao hotel, tão distinta e impactante ela foi. Compartilho com vocês os trechos mais importantes:


Florença, 5 de março de 2007.


"Hoje, vivi uma experiência autêntica diante de uma obra de arte. Depois de ver, ao vivo e a cores, O nascimento da virgem e Primavera, de Botticelli, parei em frente ao quadro Annunciazione, de Leonardo Da Vinci, e ele suscitou em mim sentimentos e sensações que eu nunca havia experimentado antes.

A luminosidade pálida, o chão coberto de grama e pequeninas flores, o olhar do Anjo Gabriel, que tem uma flor em segundo plano, por trás de si, as dobras da roupas da Virgem, que revelam a ponta de um sapato vermelho sob a saia, o livro sobre um suporte coberto por um véu e, ao fundo, uma cidade à beira-mar, com navios ao mar. Por um momento, era como se aquela cena existisse e eu estivesse presente, presenciando-a, o vento morno da tarde em minha pele, o cheiro da grama fresca sob os pés de Gabriel, a beleza suave da Virgem.

Por um momento, eu era parte daquela cena e a surpresa que isso causou em mim foi tão forte e emocionante que eu chorei. Escondi as lágrimas, enxuguei-as nas mangas da blusa, seguimos através dos salões, mas eu só pensava na Virgem e em Gabriel. Não queria me separar deles, queria continuar com eles.

Ao fim daquela sequência de salas, P. parou para descansar, mas eu quis voltar. Atravessei novamente cinco ou seis salões indo contra o fluxo de pessoas. Um guarda quis me barrar, mas argumentei que tinha que ver novamente os Botticelli, e ele me deixou passar.

Finalmente, cheguei em frente ao quadro mas, ao olhá-lo nesta segunda vez, não consegui repetir a experiência; o momento único havia passado e, com ele, o encanto. Era apenas um quadro.

Voltei a chorar, dessa vez de saudade do anjo, do cenário, de estar presente naquele lugar suspenso, junto daqueles personagens."


Hoje, ao reescrever e reler estas palavras, revivo a sensação: eu estive lá, presenciei a Anunciação. Este quadro vive dentro de mim. E uma parte de mim continua lá, junto da Virgem e de Gabriel, imortalizada na luz pálida da tela de Da Vinci.






Um comentário:

Denise Egito disse...

Val, Florença é mesmo uma cidade maravilhosa. Pretendo voltar um dia à "cidade amarela" e ficar mais tempo para curti-la mais. A vertigem a que vc se refere, eu lembrei agora, senti ao ver o quadro Guernica, do Picasso, na última vez que estive em Madrid. Meu coração disparou e era como se eu sentisse um poquinho de todo o horror daquela guerra.
Beijos