sábado, 16 de maio de 2009

Um choro genuíno

Um choro genuíno é aquele que surge sem respeitar hora ou lugar, mas com motivo. Não precisa de imagens tocantes ou de uma música que lembre situações passadas para despertar; está ligado ao presente. Não tolera a repressão da gente, que não gosta de ser visto em situação de fragilidade na frente dos outros, e ganha nossa cara diante de quem quer que seja, tão livre e violento que não pode ser escondido, não dá para ser contido, e se mostra com todo o seu descontrole impactando que se aventure a encará-lo.

Ontem, esse choro aconteceu na fila do supermercado. Um monte de gente em volta, todos com pressa, cansados, olhar perdido. O meu choro acordou todo mundo. Eu não gritei ou me descabelei, simplesmente chorei. Quieta, no meu lugar, mas deixando fluir toda a dor e tensão acumuladas. As pessoas olhavam, se entreolhavam, interrogações nos rostos, pesar, pena, vergonha, desconforto. Cada um reagiu reagiu de alguma forma.

A funcionária do supermercado, que controlava a fila, demonstrou surpresa e abriu espaço para eu passar, tinha chegado a minha vez. A moça da caixa não viu, a empacotadora não percebeu, entrei no táxi e o motorista começou logo a contar uma história engraçada. As lágrimas cessaram.

Ao fim da corrida, ele desejou um ótimo dia e que eu ficasse com Deus. Agradeci e procurei cumprir à risca o que sugeriu.




quinta-feira, 14 de maio de 2009

"Deixo amorosamente o meu passado para trás"

Essa frase recomendada pela mestra Louise Hay no livro Você pode curar sua vida é milagrosa. Porque depois que a incorporamos, apresenta um efeito secundário espantoso. Não apenas se aplica ao passado remoto de dores e perdas que muitas vezes arrastamos conosco como bolas de ferro nos pés, mas também aponta para o futuro.

À medida que a repetimos e passamos a acreditar nela, aprendemos a olhar para frente. As coisas aparecem em nosso caminho, permanecem o tempo que é necessário e passam. Nós seguimos em frente.

Isso diminui drasticamente o vulto dos dramas pessoais, a importância que imprimimos a eles. Pois, como diz Dom Juan – personagem do clássico A erva do diabo -, “nada tem muita importância”. Essa é uma das frases mais enigmáticas do livro. O autor e então estudante de antropologia Carlos Castañeda a questiona: “como assim?” Dom Juan simplesmente repete: “nada tem muita importância”.

Sim, as coisas têm importância para nós no contexto da nossa história e no organismo formado por nossa mente, corpo, emoções e espírito. Mas a prática do desapego – e eu não estou falando de bens materiais, mas sim do que ficou par trás e é lá onde deve estar - nos torna leves, confiantes, cheios de esperança e curiosidade pelo que há por vir.

Com a certeza de que tudo passa.




segunda-feira, 11 de maio de 2009

Padre Antônio Viera e as Relíquias do Futuro

Queridos amigos, aí vem mais um evento produzido por mim.

Padre Antonio Vieira e as relíquias do futuro – Um sarau histórico

O historiador Clóvis Bulcão, autor do livro Padre Antonio Vieira – Um esboço biográfico (Ed. José Olympio, 2008), conta a história do jesuíta luso-brasileiro cuja fama pelos arrebatadores sermões atravessou os oceanos, transformando-o na primeira celebridade do mundo ocidental. A narrativa é pontuada por música barroca interpretada pelo duo Mariana Zwarg (flauta transversa) e Maria Clara Valle (violoncelo). No repertório: Bach e Geminiani, compositores do século XVII.

Dia 14 de maio, quinta-feira, 19h30
Espaço Telezoom – Rua Dias Ferreira, 78/301, Leblon
Tel.: 21-3435-1617
Ingresso: R$ 20,00

Quem morar no Rio, apareça!


sábado, 9 de maio de 2009

Surpresas de carioca

O Cristo Redentor aparecia e desaparecia como mágica, envolvido em um manto de veludo azul cobalto, reluzindo feito brinquedo fluorescente, daqueles feitos de plástico amarelo que acende no escuro.

Sentada onde estava, eu via o filme por entre ramagens de uma amendoeira que formava uma moldura com a copa de um pinheiro, mais abaixo. Céu aberto, lua cheia enorme cercada de nuvens formando carneirinhos, uma mesa de samba tocando os melhores clássicos e gente por toda parte rindo, dançando, se beijando, se divertindo.

O Rio de Janeiro é uma cidade que surpreende até mesmo os cariocas.

***

Falando em diversão, uma dica maravilhosa para quem vive no Rio é assistir ao show da Cia Estadual de Jazz, toda quinta-feira, no Copa Café, na Av. Atlântica esquina com Rua Bolívar. A banda tem no contra-baixo o Reinaldo, do Casseta & Planeta, que interpreta Bin Laden em sua estadia no Brasil. E ainda Sergio Fayne (piano) e Fernando Clark (guitarra).

O repertório vai de MPB aos clássicos do jazz e o melhor: o bar não cobra couvert. É só chegar, pedir um drinque e curtir o som que não atrapalha a conversa. E ainda tem a simpatia do Reinaldo, que conversa com todo mundo nos intervalos.

Abaixo, momento tiete com o músico-humorista no lançamento do livro Improvisando soluções - O jazz como exemplo para alcançar o sucesso, de Roberto Muggiati, ano passado.



quarta-feira, 6 de maio de 2009

O bonde

Várias amigas completam 40 anos este ano, ou completaram há pouco tempo, ou vão completar em breve. É a minha geração – um grupo de pessoas que pegou o bonde andando no que diz respeito a vários setores da vida.

Por exemplo, comecei minha carreira de jornalista escrevendo em máquina de escrever. Por volta dos 20 anos, começaram a surgir os primeiros computadores, jurássicos. Tivemos que nos adaptar à nova tecnologia e fazemos isso até hoje, porque as mudanças são cada vez mais rápidas e se a gente não sobe no bonde andando, ele se distancia e ficamos para trás.

A minha geração também viveu um reajuste no relógio do tempo. Passamos a infância e adolescência em uma marcha e a juventude e a idade adulta em outra, bem mais acelerada.

Que mais? A AIDS. Começamos a vida sexual despreocupadamente, no máximo tomando cuidado para não procriar. No meio do caminho surgiu esse fantasma e tivemos que começar a chupar bala com papel, etc, etc, etc.

E tem o casamento. Quando eu me casei, ainda era na base do “até que a morte os separe”. Hoje em dia, crio os meus filhos na base do “que seja infinito enquanto dure”.

Outras mudanças virão. Olho meus dois adolescentes e me pergunto o que os aguarda. Não há como saber. Começo a prepará-los para apressar o passo, dar uma corridinha, porque o próximo bonde já vai passar. E para que continuem fazendo isso sempre, assim como pretendo continuar.

Este post é uma homenagem a minha amiga Claudia Neubern, cineasta, que completa 40 anos neste dia 13 de maio.



terça-feira, 5 de maio de 2009

Lygia Fagundes Telles

A Cia das Letras começou a relançar toda a obra de Lygia Fagundes Telles, 86 anos, grande dama da literatura brasileira. Capas novas, ilustradas pela artista plástica Beatriz Milhazes, que está bombando no exterior, com exposição até 21 de junho na Fundação Cartier, em Paris. Texto revisto pela autora, que se não chegou a mudar palavras ou frases, ajustou uma vírgula aqui, um ponto e vírgula ali, um parágrafo acolá.

Mas há 10 anos a Rocco, antiga editora da Lygia, já havia relançado a obra completa, que tenho em minha estante. De modo que comecei a ler os que não havia lido.

Comecei por Antes do baile verde, livro de contos escritos entre 1949 e 1969, cuja tradução para o francês ganhou o Prêmio Internacional Feminino para estrangeiros em Cannes (1969), concorrendo com obras de 21 países.

Que boa escolha! Cada conto é uma aula: tem estilo próprio de narrativa e segue em um crescendo para nos surpreender no final. Uma espetada com ponta de faca, um fôlego preso que se solta de repente. Que escrita elegante, fluente e incisiva!

Quem quiser se aprimorar nas artes da escrita, aproveite a oportunidade da reedição para ler Lygia Fagundes Telles. Vamos celebrar a vida desta dama enquanto a temos por perto, porque há cerca de dois anos perdeu o filho único e isso a baqueou muito. Mas é forte e tem o trabalho como fonte de nutrição e apoio.

Viva a Lygia!

sábado, 2 de maio de 2009

As leis do amor

Fui assistir filme francês até a medula: em preto e branco, planos longos e arrastados. A fronteira da Alvorada (La frontière de l´aube), de Philippe Garrel – seleção oficial em Cannes 2008.

Havia lido sobre o filme na época em que estreou na França, falaram que era uma radiografia do amor, um filme sobre relacionamento. Após assistir, achei que é mais sobre a loucura, e no fim se transforma em filme de terror. Mas é interessante e acordamos no dia seguinte pensando nele.

Para mim, um filme só vale a pena se acordamos no dia seguinte pensando nele.

Algumas falas que pincei da tela para vocês.

1) Dois amigos observam a protagonista provocando ciúmes em seu jovem amante e um deles fala:
- Você conhece a primeira lei do amor? É a lei do pára-brisa. Quando um se aproxima, o outro se afasta. Quando o outro se aproxima, o primeiro se afasta.
Seu interlocutor ri e contesta:
- Mas existem pára-brisas que se movem indo de encontro um ao outro.
- Sim, existem. Mas isso é amizade. É a segunda lei do amor.

2) O casal está na cama e ela o faz prometer que nunca irá deixá-la, pois acha que já se cansou dela etc. A conversa continua e ele diz que em um rompimento, sempre sobra “um idiota chorando”. Ela discorda:
- Quando um casal se ama, algo novo nasce, formam uma entidade única e independente. Quando acaba, essa estrutura desaparece como uma bola de sabão, não sobra nada.

Bonito, não? Concordo razoavelmente com o diálogo 1, mas o diálogo 2, não sei não... Abaixo, o trailer mostra justamente a conversa sobre o pára-brisa.