sábado, 19 de abril de 2008

A vida no palco

Esta semana, estou finalizando um período de um mês de gripe acompanhada de tosse. Foram diversos tipos de tosse: seca, com catarro, ataques de tosse que me faziam quase vomitar e que não me deixavam dormir. Barra pesada. O curioso é que eu estava bem antes disso começar. Animada, alegre, otimista...
A gripe começou na Sexta-feira Santa (21 de março) e eu me mantive firme nas duas semanas seguintes, já doente, mas trabalhando, mantendo o bom humor. Porém, com o desenvolvimento da doença, as forças vão sendo drenadas. E não há como a moral não ser afetadada. Eu me observei perdendo a alegria, o ânimo, tornando-me frágil e medrosa. Surgiram diversos tipos de medo: medo de fantasma à noite (tenho desde criança, de tempos em tempos reaparece), medo de que algo de ruim aconteça a meus filhos, medo de morrer.
A coisa foi piorando até a semana passada, quando teve início a estranha sensação de me sentir mal dentro do meu próprio corpo. A pele queimava ou me apertava. Estaria eu crescendo e meus limites já não me comportavam mais?
Lembrei-me de um conto sufi em que o protagonista atravessa uma ponte e houve um chamado. É um peixe que, dentro d´água, pede que o ajudem porque está engasgado com um diamante. Eu era esse peixe. Pensei: se estou engasgada com um diamante, quando conseguir me desvencilhar dele, terei uma jóia em minhas mãos.
Dei tratos à bola, resolvi descobrir o que me estava engasgando, e que eu queria botar para fora, por isso tossia tanto!... Cheguei lá.
No dia 2 de março, domingo, duas semanas antes de cair doente, fui assistir Gota D´Água, remontagem do musical de Chico Buarque (atualmente em cartaz no Teatro Carlos Gomes). A peça escrita em 1975 é baseada na tragédia grega Medéia, de Eurípedes – e todos sabemos a força arquetípica que os mitos gregos encerram.
Hoje, o contexto político da peça diminuiu de importância, e sobressai o retrato pra lá de amargo da separação de um casal que tem dois filhos. Na loucura e ódio de Joana (Medéia) reconheci minha mãe. Na ausência e omissão de Jasão, reconheci meu pai. Na solidão e abandono das crianças, revi a mim mesma, aos 5 anos, idade que eu tinha quando meus pais se separaram.
Saí do teatro muito abalada, mas enxuguei as lágrimas e segui em frente. A vida continua. Mas, para meu bem, ela me fez parar. Tem certas coisas da infância que a gente precisa rever, lançar luz e, para isso, nada melhor do que o palco de um teatro.
Nessa última semana de gripe, eu fui buscar a Valéria de 5 anos no apartamento lá no Leme, onde ela vivia abandonada e com medo. Eu abri as janelas, quebrei as paredes e o teto, para entrar ar e luz. Eu a peguei no colo, trouxe para casa, dei banho, alimentei e a pus para dormir.
Tudo vai ficar bem agora.

4 comentários:

Pablo Lima disse...

força, caríssima! vc consegue!
o fato de deixar claro tudo isto de uma maneira tão sensível e sutil te faz cada vez mais uma pessoa importante e especial.

conte comigo pro que precisar, ok?

forte abraço! pablo lima.

Valéria Martins disse...

Já consegui, Pablo. Passou!
Pensei muito antes de postar esse texto. Afinal, é uma exposição grande. Confesso que desejei que ninguém lesse. Mas vc leu... Obrigada pelo gentilíssimo comentário. Um grande beijo.

Pablo Lima disse...

Já eu confesso que desejei ler isto. Não vi como problemática tal exposição, muito pelo contrário.
Abrir o coração desta maneira, com tanta sensibilidade e beleza, é tarefa para poucos, minha cara...

Ana Carolina disse...

que bacana expor seus medos assim.A verdade verdadeira é que todo mundo os têm e assim nos identificamos com o que escreveu...beijoca