domingo, 30 de março de 2008

Poderosa!

Ainda sobre "A solidão, a liberdade..." (postado quinta-feira, 27/3), vale dizer que os "perrengues" da viagem sozinha à Europa não foram em vão. Recém-chegada no Rio, a impressão que tive foi que várias "fichas caíram", a poeira que fora levantanda no fundo do rio subitamente assentou. Tudo ficou mais claro, organizado; eu mais forte, bem disposta, segura... Poderosa! Sim, a solidão já não me assusta! Tal qual São Jorge, padroeiro da Catalunha, venci o dragão!


Numa noite especialmente difícil, em Barcelona, eu havia falado com minha filha ao telefone e ela não me atendeu bem. Não me deu a atenção que eu esperava, desligou rápido, foi um pouco ríspida. Para um coração sensibilizado como o meu, isso foi uma facada! Chorei, chorei... Lá pelas tantas, o telefone tocou. Pensei que era ela, arrependida, mas não, era Giselle, minha amiga brasileira, perguntando: "Chegou bem em casa? Você está bem?" Sorri, enxuguei as lágrimas e respondi: "Sim, querida Giselle, agora estou bem. Obrigada por ter me ligado!"
Poucas horas antes, enquanto tomávamos una caña em um bar no Borne, eu havia comentado o quanto me sentia sozinha ao chegar no apartamento onde estava hospedada, e não encontrar ninguém ou não ter ninguém para ligar e dizer: "cheguei bem..." Ela, com sensibilidade e carinhos incomuns, guardou isso na memória e me ligou naquela noite, quando eu realmente precisava.
Obrigada, querida Giselle!

"Quando te sentir sozinho, não chores, não tenhas medo! Lembra que Aquele que guia o sol e as estrelas guia a tua vida e a ti mesmo." (provérbio sufi)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Frases

"Ser adulto é estar só."
Eduardo Neiva, professor de Teoria da Comunicação I e II na Puc-Rio (1989), diante dos olhares aparvalhados de seus alunos no 1º período de Comunicação Social.

"A maternidade não nos transforma em santas, muito menos em vítimas, porém nos ajuda a sermos mais humanas."
Lya Luft, escritora. Essa frase foi criada para o Dia das Mães 2008 e será veiculada em marcadores de livro promocionaias para a Livraria Saraiva.

"Ela é o meu melhor poema."
Ivan Junqueira, poeta, respondendo a um elogio à beleza de sua filha, Suzana Junqueira, dona da Livraria da ABL (RJ).

Outras frases memoráveis de Eduardo Neiva diante dos olhares aparvalhados etc, etc, etc:

"Por que me olham com essa cara de bosta n´água sem destino?"

"Não me dirijam esse olhar bovino!"

"Conseguem enxergar uma luz no fim do túnel? É o trem. E está vindo na direção de vocês!"

"Não coloco texto em pasta para tirar xerox. Aluno tem que aprender a frequentar biblioteca, levar livro pra casa. Não serei paternalista com vocês, abaixo o xerox!"

Saudades do Neiva...


quinta-feira, 27 de março de 2008

A solidão, a liberdade...


Em 2 de março desse ano, Martha Medeiros escreveu na Revista O Globo sobre Os quatro fantasmas que assombram o ser humano: a solidão, a liberdade, a morte e a falta de sentido da vida. No dia anterior, recém-chegada da Europa, convidei minhas amigas mais íntimas à minha casa, para ver fotos e dar presentes, e, curiosamente, falamos sobre isso, antecipando o assunto da coluna da Martha.

Junto de minhas amigas, me senti à vontade para fazer um balanço da viagem e compartilhar os sentimentos múltiplos e contraditórios que a marcaram. Foram duas semanas viajando sozinha. Tudo bem que à noite eu sempre estava acompanhada de gente conhecida – Julie, minha anfitriã em Londres; Giselle e Diego, meus amigos brasileiros em Barcelona. Mas durante o dia, essa gente ia trabalhar, cuidar da vida e eu ficava... Sozinha.

Lembro que no primeiro dia da viagem saí pelas ruas de Londres determinada a fazer o "roteiro Bloomsbury", caminhada a pé pelos quarteirões que abrigam as casas de Virginia Woolf, Clive Bell, Lytton Strachey etc. No meio do caminho, vi uma placa indicando a rua onde Charles Dickens morou, onde fica a casa dele. Resolvi me desviar e acabei me perdendo. Já era perto do meio-dia, eu estava com fome, com calor. Decidi mudar meus planos e ir direto ao British Museum, naquela região, para não perder tempo (!) Após caminhar feito louca, pedindo informações aqui e ali, alcancei o museu. Porém, entrei por uma porta lateral e fui cair direto na parte do Egito. A essa altura, estava exausta, mau humorada, faminta, achando tudo ruim, a ponto de chorar. STOOOOOP!

Desci para a área interna do museu, onde fica a lanchonete. Havia uma apresentação de crianças chinesas, em comemoração do Ano Novo chinês. Se eu tivesse um rifle, seria capaz de atirar em cada uma delas!

Tudo mudou, graças a Deus, depois que fiz uma pausa no tempo comprando um suco, desembrulhando meu sanduíche, tomando um café expresso. Comi, respirei, observei o carinho e a cumplicidade de um casal de idosos norte-americanos que lanchavam ao meu lado. Então, me levantei e voltei à exposição, recuperando a minha tranqulidade interna.

Essa foi apenas uma das situações desgastantes da viagem, que teve momentos maravilhosos, claro. Mas, observem: por fora, não havia nada errado. Tudo se passava dentro de mim. Viajando sozinha em um país estranho, eu me defrontava a todo instante com a solidão e a liberdade. O que vou fazer agora? Ir a outro museu? Voltar para casa e ler um livro? Sentar-me em um café e meditar? Andar pelas ruas e olhar as vitrines? Ao escolher uma das opções, necessariamente elimino as outras. A liberdade pode ser angustiante... Em certas horas eu pedia um sinal, algo que me indicasse qual direção seguir!... Mas na maioria das vezes, esse sinal não aparecia e eu tinha que decidir... Sozinha!

Em Londres, isso aconteceu várias vezes. E eu me vi assim também na vida, tateando, procurando o melhor caminho a seguir, tentando acertar... Mas na verdade, nós andamos meio às cegas. Quem sabe, no momento final, vamos nos deparar com o quadro completo e compreender início, meio e fim. Espero que sim, mas nem disso temos garantia.

domingo, 23 de março de 2008

O significado da Páscoa


De uns anos para cá, quando o Natal se aproxima, algumas sábias pessoas tratam de alertar as outras: pensem menos em comprar presentes e mais no significado do Natal; evoquem o espírito do Natal, o Cristo que nasce, etc. Já fiz isso e é bem legal, faz surgir um sentido maior do que simplesmente encontrar a família – alguns parentes a gente só vê nessa época do ano, infelizmente ou felizmente, em muitos casos – ou gastar nossos parcos caraminguás comprando presentes para o marido, o filho, mas também lembrancinhas para o porteiro, a faxineira... A lista aumenta a cada ano! E o décimo terceiro, será que vai dar???
Nessa Páscoa, que tive a felicidade de passar em São Pedro da Serra (http://www.saopedrodaserra.tur.br/) em companhia dos meus filhos e de muitos amigos, resolvi pensar no significado dessa festa católica, que já foi pagã um dia. Antes da Igreja se apropriar dos rituais pagãos e "torcê-los" para servirem a sua doutrina, a Páscoa era a época do ano em que as antigas populações do heminsfério Norte celebravam a chegada da primavera, o renascimento da natureza após o longo e gelado inverno. Então, presenteavam uns aos outros com ovos pintados, simbolizando o que está oculto e ainda vai nascer, e elegeram o coelho como animal-símbolo da festa, por sua notória multiplicação e fertilidade.




Refletindo sobre isso, procurei trazer essa simbologia para a minha vida. Dizem que o ano no Brasil só começa depois da Semana Santa, não é mesmo? Pois agora é que as rodas da fortuna e da prosperidade vão começar a girar de verdade! É hora de sintonizar com o espírito da Páscoa, da multiplicação, da fertilidade, dos novos começos, das novas semeaduras, dos brotos verdes que surgirão debaixo da neve, da água doce que começará a degelar e a correr, da vida que renasce e se renova, eternamente!
Feliz Páscoa a todos!

quarta-feira, 19 de março de 2008

A paciência

Depois do Zé, é a vez do jovem chinês falar. Betty o apresenta como o "médico e sábio chinês... (nome impronunciável), que falará sobre a Paciência".
O moço inicia sua breve palestra com voz baixa, pausada, forte sotaque chinês. Resumo aqui suas realmente sábias palavras:
"Paciência é saber esperar. Todas as coisas têm um tempo certo para acontecer e não adianta tentarmos acelerar esse processo, sob pena de acabarmos atraindo o contrário do que desejamos.
Existe uma história chinesa que é um exemplo. Um homem queria ter uma sombra em seu jardim e, para isso, planta uma árvore. Mas a árvore demora a crescer, então, todos os dias ele vai até lá e dá uma puxadinha na muda, para ajudar o crescimento. Faz isso ao longo de três semanas, ao fim das quais a planta morre.
Na medicina, também se faz muito necessária a paciência. O organismo precisa de um tempo para se recuperar, não adianta querer apressá-lo. O surgimento de bactérias super-poderosas, como se vê atualmente, resistentes a qualquer antibiótico existente, está relacionado à falta de paciência das pessoas. O doente quer ficar bom rápido, pois precisa voltar ao trabalho, etc, então, em vez de o médico aplicar os antibióticos gradativamente e ir observando os resultados, ele prescreve logo um antibiótico mais potente. Isso não ajuda o paciente, pois muitas vezes o organismo não está preparado e não responde, e faz as bactérias se acostumarem aos remédios mais fortes, propiciando o surgimento das super-bactérias.
Dentro de nós corre um rio, o rio da vida. Precisamos nos concentrar nesse fluxo, ele achará seu caminho até o mar. Não adianta cavar canais aqui e ali para apressar o rio, ele acaba perdendo força e morre. Concentremo-nos no rio. Todo rio encontra o mar".

José Celso Martinez, um homem lindo e atraente de 70 anos

Ontem, dia 18 de março, houve o lançamento do novo livro da psicanalista Betty Milan, Quando Paris cintila (ed. Record), na livraria Cultura do Conjunto Nacional (SP). Betty é paulista, colunista da Veja On Line http://vejaonline.abril.com.br e mora metade do ano em São Paulo e a outra metade em Paris, no Marais. O novo livro é composto de 33 crônicas curtas, sem letra maiúscula ou ponto final, nas quais, tomando como inspiração viagens que empreendeu à Europa, Ásia e Américas, ela reflete sobre a vida, a morte, o envelhecimento, a felicidade e outras questões fundamentais de todos nós.
Para ler trechos do livro no teatro Eva Herz, dentro da livraria, Betty convidou ninguém menos que o dramaturgo e diretor de teatro José Celso Martinez, seu amigo. O início da leitura estava marcado às 19h30 e às 20h não havia sinal do Zé. Ligamos para a casa dele, o fiel secretário Valério disse que havia saído fazia tempo, a platéia do teatro lotada. Decidimos começar sem ele, em respeito ao público. Subiram ao palco a autora e seus outros convidados: o escritor e editor paulista Fenando Nuno e um jovem médico chinês, cujo nome é impronunciável e impossível de ser escrito de memória.
Mal Nuno começou a falar sobre o livro, a porta do teatro se abriu e entrou Zé: alto, magro, cabelos brancos como a neve, elegantérrimo numa blusa de gola rolê branca, calças de linho cru e casaco preto. Um homem lindo e atraente, de 70 anos.
Ao fim da apresentação do editor, ele se levanta e vai para o microfone. Começa a ler a primeira crônica, pára, começa de novo, só que cantando. Improvisando um canto do que está escrito. Salva de palmas. Vem a segunda crônica, "Quando a velhice é sorridente", que ele lê fazendo movimentos suaves com os braços no ar: "só envelhece mal que se exercita na chatice, queixando-se – consciente ou inconscientemente – do tempo que passa" "a contrariedade é contrária à vida" " é o contentamento que fortalece" Todos riem e batem palmas, pois Zé é uma amostra viva do que está escrito. Não se pode dizer que é velho. É um jovem entusiasmado, alegre, cheio de vida e criatividade.
Para ler a terceira crônica, "Quando a árvore é uma grinalda", ele exige silêncio absoluto da platéia. Começa e interrompe três vezes a leitura, até que não se ouça um murmúrio sequer. "Isso aqui é muito zen, exige silêncio e concentração", justifica. E segue: "a felicidade está nas coisas simples, claro, complicado é chegar nelas"
No final, temos a sensação de que viajamos com a Betty por China e Índia, Turquia, conduzidos pela voz e pela interpretação do Zé. Uma meditação conjunta da qual despertamos leves e inspirados, acreditando que a vida pode ser realmente bela.
Tudo depende da maneira como a olhamos.

domingo, 16 de março de 2008

Exposições que se completam – parte III

"Alexader Rodchenko – Revolution in Photography" é uma mostra das fotografias desse artista que transitou pela pintura, arquitetura, design, mas que elegeu a imagem fotográfica como o melhor veículo para expressar sua criatividade.
Rodchenko nasceu em São Petersburgo e bem jovem ingressou na escola de arte Kazan Art School, a fim de aprender pintura. Lá, conheceu o poeta Vladimir Mayakovsky, de quem seria amigo e parceiro, e Varvara Stepanova, que se tornaria sua esposa e modelo.
A exposição na The Hayward mostra as principais obras de Rodchenko relacionando-as com as etapas de sua vida. Logo no início, há cartazes de propaganda do governo soviético, sendo que o mais famoso é o da moça com lenço na cabeça, mão junto à boca, chamando os camaradas para se unirem a tal e tal ideal de igualdade, etc. A imagem foi copiada pelo grupo de rock escocês Franz Ferdinand na capa de seu terceiro CD You could have it so much better (2005).
A moça sardenta foi clicada sorrindo em close e de um ângulo que faz com que a foto pareça ter sido tirada ontem, e não no início do século XX. Mais adiante, ficamos sabendo que ela era casada com o crítico Osip Brik, mas também amante de Mayakovsky. Isso não impedia que todos fossem amigos, e que outra foto os mostre reunidos – Lili, Osip, Mayakowsky e Varvara –, sentados à mesa em frente a xícaras de chá, num clima bastante harmonioso.
Vale dizer que a base de muitos dos cartazes são as fotos de Rodchenko, mas em cima delas ele criava desenhos geométricos coloridos e aplicava tipologias incomuns, criando um efeito que continua atual e surpreendente até hoje.
Mais adiante, uma parede contém fotomontagens que ele criou para as revistas LEF (Left Front of the Arts, editada por Mayakovsky e dedicada a definir uma "direção comunista para todos os tipos de arte") e USSR in construction. O programa da exposição conta que, para reunir as imagens de que necessitava, Rodchenko comprava jornais e revistas, espalhava-os abertos no chão e ia recortando o que lhe chamava atenção, e depois empilhava em grupos: animais, moda, tecnologia.
Continuamos andando e surgem os registros que "tornaram a fotografia não apenas um meio de refltir a realidade, mas um veículo para representar visualmente as dinâmicas construções da mente". Enquadramentos inovadores, ângulos inusitados, efeitos geométricos. Por exemplo, uma mulher sobe uma escadaria com uma criança no colo e os degraus sob seus pés são listras enviesadas. O retrato da mãe é um close escuro onde se vê cada ruga da rosto rechonchudo da mulher. Mayakowsky é retratato várias vezes, rosto másculo, olhar penetrante. Um homem bonito!
Infelizmente, esse olhar inovador foi o mesmo que fez com que Rodchenko caísse em desgraça. Ao fazer um ensaio sobre o heróico e revolucionário povo russo, fotografou um "pioneiro" tocando corneta de baixo para cima e foi acusado pelas autoridades de ter "deformando" a imagem – e, conseqüentemente, seu conceito. Logo, veio uma lei que tornava obrigatória a permissão governamental para tirar fotos em locais públicos. Rodchenko, então, passou a dedicar-se ao fotojornalismo fotografando paradas militares, competições de atletismo, o teatro e o circo. Somente um ano após sua morte, Moscou viu a primeira exposição individual de seus trabalhos, organizada por Varvara.
Ao fim da mostra, fico pensando em porque Rodchenko não fugiu da União Soviética e refugiou-se na Europa, como outros artistas da sua geração. Por amor a seu país e à revolução a qual se engajou, ele permaneceu mesmo tendo sua arte incompreendida e desmerecida. Viu amigos como Mayakowsky se suicidarem, desiludidos com os rumos que seus sonhos tomaram na realidade. Por que não foi embora?
É uma pergunta sem resposta.