Diz Marcia Tiburi em seu excelente e oportuno livro Como conversar com um fascista (Ed. Record), que nos dá informação e argumentos para nos defendermos do ódio, da burrice e da pobreza intelectual e de espírito que rondam por aí:
“O que chamo de fascista é um tipo (...) bastante comum. (...) O empobrecimento do qual ele é portador se deu pela perda da dimensão do diálogo. O diálogo se torna impossível quando se perde a dimensão do outro. O fascista não consegue se relacionar com outras dimensões que ultrapassem as verdades absolutas nas quais ele firmou seu modo de ser.”
A livro se refere principalmente à esfera da política, mas não pude deixar de pensar no quanto somos fascistas em outras áreas da vida, especialmente... no amor.
As relações afetivas estão se tornando cada vez mais difíceis de se manter, cada vez mais voláteis. Desconfio que amar de verdade saiu de moda, ninguém mais se importa com isso, desde que se possa ‘ficar’ indefinidamente e assim ir preenchendo com vários personagens um lugar que nossos pais e avós preencheram com seus cônjugues.
Amar está fora de moda porque exige o esforço do diálogo – e aí entra a reflexão de Marcia Tiburi sobre o fascismo. Quando o relacionamento fica difícil, quando algo desagrada uma das partes, basta terminar e trocar. Para isso servem aplicativos como o Tinder e o Happen – cardápios de pessoas.
O diálogo entre o casal, seja ele homo ou hetero, requer paciência, persistência, enxergar e aceitar no outro aquilo que difere de nós. E nem sempre se chega logo a uma conclusão, podem ser necessárias várias rodadas de diálogos, leva tempo!
Assim é a democracia: lenta, mas uma construção verdadeira e legítima, através da qual se chega a um lugar diferente e melhor, onde todos os lados são levados em consideração, e onde se pressupõe que, após deixar nossas ‘verdades’ de lado, se conquista um consenso comum.
O livro da Marcia Tiburi serviu como um alerta para ter cuidado com a fascista que existe em mim, a Valéria impaciente, inflexível e que deseja sempre ‘ter razão’. Como diz Ferreira Gullar: “Não quero ter razão. Quero ser feliz”.
sábado, 14 de novembro de 2015
terça-feira, 2 de junho de 2015
A felicidade
Ela chega de repente e nos pega de surpresa. O tempo pára. O mundo perfeito, completo. Nada falta. Tudo bem que é passageiro. Então, temos que ficar quietinhos e aproveitar. Estar. Conforto. Logo hoje que o dia foi tão tumultuado. Um prêmio. Uma dádiva. Uma mágica.
Respiro e trato de sentir: isso é a felicidade. Um pássaro raro, pousado em um galho bem na minha frente. Cantando, limpando as penas, exercitando as asas. Para, logo voar novamente. Passou... A vida continua. Já não é completa. Algo falta. Algo incomoda. Há sempre mais o que fazer. Mas valeu. O sentimento está ali, ao alcance. Uma joia na memória.
Daqui a pouco, vai me surpreender novamente. Agora já sei como é.
Respiro e trato de sentir: isso é a felicidade. Um pássaro raro, pousado em um galho bem na minha frente. Cantando, limpando as penas, exercitando as asas. Para, logo voar novamente. Passou... A vida continua. Já não é completa. Algo falta. Algo incomoda. Há sempre mais o que fazer. Mas valeu. O sentimento está ali, ao alcance. Uma joia na memória.
Daqui a pouco, vai me surpreender novamente. Agora já sei como é.
domingo, 24 de maio de 2015
Vovó Sônia
Fiz as contas: na hora em que a vovô Sônia morreu no Brasil nós estávamos no restaurante chinês em Monterrey, Califórnia, às gargalhadas porque a garçonete não falava uma palavra de inglês nem de espanhol, e não conseguíamos chegar a conclusão alguma a respeito do que iríamos comer.
Na manhã seguinte, quando acordamos, veio a notícia. Havia passado por duas cirurgias muito delicadas nos últimos dias e estava sedada, dormindo. Mas naquela noite, ela partiu.
Vovó Sônia esperou a gente viajar para morrer. Sempre teve saúde frágil, estávamos acostumados aos sustos, ao vê-la se internar por uns dias, mas sempre saía e voltava à vida normal: Hortifruti às quintas feiras, quando ia dirigindo seu carro, freando e buzinando alto por qualquer motivo; hidroginástica três vezes por semana, com seu traje de surfista; cinema à tarde com o vovô Bóris.
Saímos para viajar e a deixamos viva. Foi cremada um dia antes do nosso retorno. Entre esses dois extremos, passaram-se 15 dias.
Alegria e tristeza misturaram-se naquela linda manhã em que seguimos viagem a partir de Monterrey pela Highway One. No dia anterior, conseguimos um mapa que indicava as belezas do caminho. Por iniciativa própria, sem que ninguém indicasse, decidimos parar em um parque estadual à beira mar chamado Point Lobos, considerado um refúgio de leões marinhos. Chegamos lá antes das oito, quando o sol ainda começava a esquentar. Caminhamos em silêncio pelas trilhas em meio a campos de margaridas, penetramos num bosque de ciprestes retorcidos, esparramados sob ação do vento. O mar era azul turquesa, azul esmeralda, e lá embaixo víamos os leões marinhos com as cabecinhas para fora d´água, olhando-nos de longe, quietinhos à luz da manhã. Nesse lindo lugar, cada um de nós, a sua maneira, se despediu da vovó, dos almoços que preparava com tanto prazer, dos guefilte fish e kneidales em Hosh Hashaná e Pessach.
Faz muita falta a vovó. O fato de não a termos visto doente, hospitalizada, morta, confere uma sensação de irrealidade ao fato. Melhor assim, talvez.
Abaixo, eu e a Sônia no lançamento da Pausa do Tempo em setembro de 2013.
Na manhã seguinte, quando acordamos, veio a notícia. Havia passado por duas cirurgias muito delicadas nos últimos dias e estava sedada, dormindo. Mas naquela noite, ela partiu.
Vovó Sônia esperou a gente viajar para morrer. Sempre teve saúde frágil, estávamos acostumados aos sustos, ao vê-la se internar por uns dias, mas sempre saía e voltava à vida normal: Hortifruti às quintas feiras, quando ia dirigindo seu carro, freando e buzinando alto por qualquer motivo; hidroginástica três vezes por semana, com seu traje de surfista; cinema à tarde com o vovô Bóris.
Saímos para viajar e a deixamos viva. Foi cremada um dia antes do nosso retorno. Entre esses dois extremos, passaram-se 15 dias.
Alegria e tristeza misturaram-se naquela linda manhã em que seguimos viagem a partir de Monterrey pela Highway One. No dia anterior, conseguimos um mapa que indicava as belezas do caminho. Por iniciativa própria, sem que ninguém indicasse, decidimos parar em um parque estadual à beira mar chamado Point Lobos, considerado um refúgio de leões marinhos. Chegamos lá antes das oito, quando o sol ainda começava a esquentar. Caminhamos em silêncio pelas trilhas em meio a campos de margaridas, penetramos num bosque de ciprestes retorcidos, esparramados sob ação do vento. O mar era azul turquesa, azul esmeralda, e lá embaixo víamos os leões marinhos com as cabecinhas para fora d´água, olhando-nos de longe, quietinhos à luz da manhã. Nesse lindo lugar, cada um de nós, a sua maneira, se despediu da vovó, dos almoços que preparava com tanto prazer, dos guefilte fish e kneidales em Hosh Hashaná e Pessach.
Faz muita falta a vovó. O fato de não a termos visto doente, hospitalizada, morta, confere uma sensação de irrealidade ao fato. Melhor assim, talvez.
Abaixo, eu e a Sônia no lançamento da Pausa do Tempo em setembro de 2013.
domingo, 10 de maio de 2015
O anjo
A médica pediu uma tomografia do abdômen e tórax. Raio X completo para enxergar tudo por dentro. Cinco anos sem um check up completo e um histórico familiar, por parte de pai, repleto de mortes por câncer. Meu próprio pai partiu dessa maneira, um jeito bem sofrido de morrer e de assistir alguém morrer. Lembro da minha tia, irmã dele, que morreu de velha (!), dizendo com sotaque gaúcho:
- Te cuida, minha filha, te cuida!...
Lá fui eu fazer o exame. Injetam um líquido branco através de tubos nas veias. A gente se deita espichada, lembrei da minha gata, quando foi castrada. Olhei através da janelinha da clínica e a vi deitada igual a mim, as patinhas amarradas enquanto lhe sacavam o útero e ovários. Lembrei do meu pai e da minha avó, lá no céu, e senti muito medo.
Lá vem o resultado. Um dia antes de ir buscar, compartilhei meus pesares com minha amiga Adriana (a mesma do post A alma penada), que rebateu:
- Tá maluca? O anjo não ia deixar...
- Que anjo?
- O nosso anjo, ora. Ele sabe tudo que se passa com a gente. Não ia deixar nada de mal acontecer, você vai ver.
Não tive coragem de abrir o envelope branco, enorme. Deixei direto na portaria da médica. E tome esperar. Quando não aguentava mais, mandei torpedo: ‘Deixei o resultado da tomografia na sua portaria, você viu?’ Quase dez da noite chega a resposta: ‘Amanhã converso com você’.
Um baque. Uma noite em apavorado torpor. ‘Ela encontrou algo. Por que não? É a coisa mais comum do mundo essa doença. Muitos amigos tem ou tiveram. A maioria está viva. Por que não comigo?’ Torvelinho de pensamentos, suores, estômago contraído. Manhã seguinte, ressacada de sono, corri atrás da médica. Finalmente conseguimos falar. Não respondeu antes porque não tivera tempo de ‘analisar’ os resultados.
Descobri que, da mesma forma que a vida marca por fora, marca dentro também. Riscos, rugas, sinais. Esse exame é f... mostra tudo! Meu corpo já não é o de um bebê. Mas, dentre tudo que se viu, nada grave. Nada estranho. Nada com o que se preocupar de verdade.
Ufa!... O anjo... Obrigada, obrigada, obrigada.
- Te cuida, minha filha, te cuida!...
Lá fui eu fazer o exame. Injetam um líquido branco através de tubos nas veias. A gente se deita espichada, lembrei da minha gata, quando foi castrada. Olhei através da janelinha da clínica e a vi deitada igual a mim, as patinhas amarradas enquanto lhe sacavam o útero e ovários. Lembrei do meu pai e da minha avó, lá no céu, e senti muito medo.
Lá vem o resultado. Um dia antes de ir buscar, compartilhei meus pesares com minha amiga Adriana (a mesma do post A alma penada), que rebateu:
- Tá maluca? O anjo não ia deixar...
- Que anjo?
- O nosso anjo, ora. Ele sabe tudo que se passa com a gente. Não ia deixar nada de mal acontecer, você vai ver.
Não tive coragem de abrir o envelope branco, enorme. Deixei direto na portaria da médica. E tome esperar. Quando não aguentava mais, mandei torpedo: ‘Deixei o resultado da tomografia na sua portaria, você viu?’ Quase dez da noite chega a resposta: ‘Amanhã converso com você’.
Um baque. Uma noite em apavorado torpor. ‘Ela encontrou algo. Por que não? É a coisa mais comum do mundo essa doença. Muitos amigos tem ou tiveram. A maioria está viva. Por que não comigo?’ Torvelinho de pensamentos, suores, estômago contraído. Manhã seguinte, ressacada de sono, corri atrás da médica. Finalmente conseguimos falar. Não respondeu antes porque não tivera tempo de ‘analisar’ os resultados.
Descobri que, da mesma forma que a vida marca por fora, marca dentro também. Riscos, rugas, sinais. Esse exame é f... mostra tudo! Meu corpo já não é o de um bebê. Mas, dentre tudo que se viu, nada grave. Nada estranho. Nada com o que se preocupar de verdade.
Ufa!... O anjo... Obrigada, obrigada, obrigada.
sábado, 27 de dezembro de 2014
Relembrar os dias
Dizer que o tempo está passando rápido, que tudo está ‘tão corrido’, já virou chavão. Mas quem parou para pensar nas consequências da correria? A principal delas é que todos estão sofrendo de amnésia. Ninguém se lembra de nada: qual história ouviu aonde, qual caso contou a quem, se já contou ou não. Nossa memória está toda picotada, feito um quebra cabeça antes de montar.
Assustei-me outro dia ao me dar conta de que não me lembrava do que havia feito na segunda-feira. Era sexta. Tentei, tentei e nada.
Resolvi, então, relembrar o que havia feito naquele mesmo dia. Desde a hora em que abri os olhos na cama, os mínimos detalhes: tocar com os pés o chão, a primeira imagem do rosto no espelho banheiro, o pão tostado no café da manhã. Senti um prazer enorme ao recuperar o meu dia e ainda deu um soninho...
Há uns três meses, faço isso toda noite: relembrar com detalhes o que fiz ao longo do dia. Agradeço os momentos bons, reflito sobre os difíceis. Principalmente, sinto-me dona da minha vida. A correria do mundo pode continuar, eu fico. Relembrar os dias reforça o Presente.
Desejo que, em 2015, possamos reforçar nossa Presença. Só assim se vive verdadeiramente.
Assustei-me outro dia ao me dar conta de que não me lembrava do que havia feito na segunda-feira. Era sexta. Tentei, tentei e nada.
Resolvi, então, relembrar o que havia feito naquele mesmo dia. Desde a hora em que abri os olhos na cama, os mínimos detalhes: tocar com os pés o chão, a primeira imagem do rosto no espelho banheiro, o pão tostado no café da manhã. Senti um prazer enorme ao recuperar o meu dia e ainda deu um soninho...
Há uns três meses, faço isso toda noite: relembrar com detalhes o que fiz ao longo do dia. Agradeço os momentos bons, reflito sobre os difíceis. Principalmente, sinto-me dona da minha vida. A correria do mundo pode continuar, eu fico. Relembrar os dias reforça o Presente.
Desejo que, em 2015, possamos reforçar nossa Presença. Só assim se vive verdadeiramente.
domingo, 14 de dezembro de 2014
A alma penada
Minha amiga Adriana, que vive na Espanha, veio ao Rio de Janeiro visitar a família e tirou uma história do fundo do baú, que eu não conhecia: da alma penada.
No final da década de 80, morávamos na região que hoje se chama Baixo Lagoa. Os edifícios de frente para a Lagoa Rodrigo de Freitas, a maioria tem duas entradas: uma pela Rua Alexandre Ferreira e outra pela Borges de Medeiros. Adriana morava em um desses prédios e o porteiro se chamava seu Januário, o Seu Janu.
Certo dia, voltando de uma caminhada, minha amiga resolveu entrar pela portaria da Lagoa, que era menos usada e por isso vivia fechada. Tocou o interfone e esperou o Seu Janu. Lá vem ele, mas pára, estático, e fica olhando para ela.
Toc, toc, toc (no vidro).
- Seu Janu! Abre a porta!
Seu Janu feito estátua.
Nessa hora, Adriana olha para o lado e vê: a alma penada.
- Mas como assim uma alma penada? Como ela era? – pergunto.
- Não dá para explicar...
- Mas como você sabia que era uma alma penada?
- ... A gente simplesmente sabe.
Toc, toc, toc, toc, toc! Adriana esmurra o vidro da portaria fazendo-o balançar. Grita:
- Seu Janu, abre essa porta!
Olha para o lado novamente e ... pluft! Sumiu.
Seu Januário sai do transe e destranca a fechadura. Nenhum dos dois fala nada, Adriana toma a direção da escada e sobe esbaforida.
Até hoje, quando vem ao Rio, dá de cara com Seu Januário, que ainda trabalha no bairro. Outro dia, ele parou para falar com ela.
- Adriana, que bom te ver, há quanto tempo!
Conversa vai, conversa vem, minha amiga não perde a oportunidade:
- E aquele dia em que o senhor me deixou presa na rua junto com a alma penada?
Seu Janu finge que não entende, se despedem, cada um segue seu caminho.
No final da década de 80, morávamos na região que hoje se chama Baixo Lagoa. Os edifícios de frente para a Lagoa Rodrigo de Freitas, a maioria tem duas entradas: uma pela Rua Alexandre Ferreira e outra pela Borges de Medeiros. Adriana morava em um desses prédios e o porteiro se chamava seu Januário, o Seu Janu.
Certo dia, voltando de uma caminhada, minha amiga resolveu entrar pela portaria da Lagoa, que era menos usada e por isso vivia fechada. Tocou o interfone e esperou o Seu Janu. Lá vem ele, mas pára, estático, e fica olhando para ela.
Toc, toc, toc (no vidro).
- Seu Janu! Abre a porta!
Seu Janu feito estátua.
Nessa hora, Adriana olha para o lado e vê: a alma penada.
- Mas como assim uma alma penada? Como ela era? – pergunto.
- Não dá para explicar...
- Mas como você sabia que era uma alma penada?
- ... A gente simplesmente sabe.
Toc, toc, toc, toc, toc! Adriana esmurra o vidro da portaria fazendo-o balançar. Grita:
- Seu Janu, abre essa porta!
Olha para o lado novamente e ... pluft! Sumiu.
Seu Januário sai do transe e destranca a fechadura. Nenhum dos dois fala nada, Adriana toma a direção da escada e sobe esbaforida.
Até hoje, quando vem ao Rio, dá de cara com Seu Januário, que ainda trabalha no bairro. Outro dia, ele parou para falar com ela.
- Adriana, que bom te ver, há quanto tempo!
Conversa vai, conversa vem, minha amiga não perde a oportunidade:
- E aquele dia em que o senhor me deixou presa na rua junto com a alma penada?
Seu Janu finge que não entende, se despedem, cada um segue seu caminho.
segunda-feira, 1 de dezembro de 2014
30 anos esta noite
Mas era ontem!... Acordar antes das seis, engolir o café, pegar o ônibus até o Leblon, saltar em frente à igreja, passar pelo porteiro baixinho com cara de padre, encarar horas e horas de matéria massacrante. Uma, duas semanas de aula em março e as provas começavam, e iam até junho sem parar. Insano.
Meu pai, zeloso com a filha única, deve ter se informado com os amigos e veio com a ordem:
- Vai estudar no Santo Agostinho.
- Quero o Princesa Isabel.
- Santo Agostinho!
No segundo ano ele morreu e me abandonou com a decisão. Eu podia ter mudado de escola, mas já havia feito laços de amizade e resolvi permanecer. Nesse mesmo ano fatídico, fiquei em recuperação pela primeira vez na vida, matemática, e passei janeiro inteiro frequentando aulas as segundas e quartas, para fazer uma prova no final do mês em que tenho certeza que não tirei a nota exigida. Mas me passaram de ano, e isso eu agradeço.
Veio o terceiro ano e as já sofridas aulas aos sábados se transformaram em provas aos sábados. Enquanto os amigos saíam à noite nas sextas, eu tinha que dormir às dez para levantar cedo e encarar avaliações de física, química, biologia... Queria morrer.
O Santo Agostinho coincidiu com um dos períodos mais duros da minha vida. A morte do pai, a doença da mãe, muita solidão. Talvez por isso não guarde lembranças claras e nenhuma foto. As colegas que organizaram a festa dos 30 pediram fotos, registros, o álbum de formatura. Não tenho nada. Não guardei nada. Nem saudade.
Mais tarde, quando um grupo de ex-colegas começou a me chamar para tomar chope, no início, não me sentia confortável. Com o tempo, passei a amar e a valorizar aquele grupo de pessoas bem parecidas comigo, bem formadas, que levam a vida com extrema seriedade e responsabilidade, segurando as barras sem fazer drama. Dizem que a escola não forma, quem molda o caráter é a família. Mas essa forma de encarar a vida é, sim, herança do Santo Agostinho.
Quando já era jornalista, fui entrevistar o antropólogo Everardo Rocha, que escolhi para meu orientador na monografia ao final do curso na faculdade. Contou que seus filhos estudavam no Santo Agostinho.
- Ai que horror, que colégio horrível, eu nunca colocaria meus filhos lá (de fato, não o fiz). Por que fez isso com os pobrezinhos?
- Porque queria formar seres humanos como você.
Assim aprendi também a sentir orgulho de responder à pergunta ‘onde você estudou?’:
- No Santo Agostinho.
Três anos de chumbo, muita pressão e pouco prazer. Três anos de tristeza e sofrimento na esfera pessoal. Mas três anos vezes dez são capazes de transmutar muita coisa. Na peneira do tempo ficaram a Amizade, a Alegria, a certeza de ser capaz.
E a linda festa dos 30 anos – impossível descrever tamanha riqueza, em todos os sentidos – foi o fechamento de um ciclo que começou lá na adolescência e que se encerrou nesta noite em que médicos, engenheiros, dentistas, publicitários, jornalistas, fonoaudiólogos, professores de educação física, profissionais e pais de família, se acabaram de dançar, se atiraram no chão para sair bem nas fotos, viraram crianças novamente, em um rito de passagem que homenageia a instituição que nos preparou tão bem – isso é uma realidade – para a batalha que é a vida.
Obrigada, Colégio Santo Agostinho. Obrigada aos colegas que organizaram a festa dos 30 anos. Muito obrigada.
Meu pai, zeloso com a filha única, deve ter se informado com os amigos e veio com a ordem:
- Vai estudar no Santo Agostinho.
- Quero o Princesa Isabel.
- Santo Agostinho!
No segundo ano ele morreu e me abandonou com a decisão. Eu podia ter mudado de escola, mas já havia feito laços de amizade e resolvi permanecer. Nesse mesmo ano fatídico, fiquei em recuperação pela primeira vez na vida, matemática, e passei janeiro inteiro frequentando aulas as segundas e quartas, para fazer uma prova no final do mês em que tenho certeza que não tirei a nota exigida. Mas me passaram de ano, e isso eu agradeço.
Veio o terceiro ano e as já sofridas aulas aos sábados se transformaram em provas aos sábados. Enquanto os amigos saíam à noite nas sextas, eu tinha que dormir às dez para levantar cedo e encarar avaliações de física, química, biologia... Queria morrer.
O Santo Agostinho coincidiu com um dos períodos mais duros da minha vida. A morte do pai, a doença da mãe, muita solidão. Talvez por isso não guarde lembranças claras e nenhuma foto. As colegas que organizaram a festa dos 30 pediram fotos, registros, o álbum de formatura. Não tenho nada. Não guardei nada. Nem saudade.
Mais tarde, quando um grupo de ex-colegas começou a me chamar para tomar chope, no início, não me sentia confortável. Com o tempo, passei a amar e a valorizar aquele grupo de pessoas bem parecidas comigo, bem formadas, que levam a vida com extrema seriedade e responsabilidade, segurando as barras sem fazer drama. Dizem que a escola não forma, quem molda o caráter é a família. Mas essa forma de encarar a vida é, sim, herança do Santo Agostinho.
Quando já era jornalista, fui entrevistar o antropólogo Everardo Rocha, que escolhi para meu orientador na monografia ao final do curso na faculdade. Contou que seus filhos estudavam no Santo Agostinho.
- Ai que horror, que colégio horrível, eu nunca colocaria meus filhos lá (de fato, não o fiz). Por que fez isso com os pobrezinhos?
- Porque queria formar seres humanos como você.
Assim aprendi também a sentir orgulho de responder à pergunta ‘onde você estudou?’:
- No Santo Agostinho.
Três anos de chumbo, muita pressão e pouco prazer. Três anos de tristeza e sofrimento na esfera pessoal. Mas três anos vezes dez são capazes de transmutar muita coisa. Na peneira do tempo ficaram a Amizade, a Alegria, a certeza de ser capaz.
E a linda festa dos 30 anos – impossível descrever tamanha riqueza, em todos os sentidos – foi o fechamento de um ciclo que começou lá na adolescência e que se encerrou nesta noite em que médicos, engenheiros, dentistas, publicitários, jornalistas, fonoaudiólogos, professores de educação física, profissionais e pais de família, se acabaram de dançar, se atiraram no chão para sair bem nas fotos, viraram crianças novamente, em um rito de passagem que homenageia a instituição que nos preparou tão bem – isso é uma realidade – para a batalha que é a vida.
Obrigada, Colégio Santo Agostinho. Obrigada aos colegas que organizaram a festa dos 30 anos. Muito obrigada.
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