Assim que passei a roleta, a cena: no espaço reservado para cadeirantes, uma mulher negra, muito velha, envolta em trapos, os pés inchados enfaixados, um saco plástico envolvendo a carapinha branca, sentada em sua cadeira de rodas, atada às ferragens do ônibus, tendo nos braços uma criança adormecida. Um menino mulato, gordinho, só de shorts, e ela segurava-o firmemente.
Quem seria aquela criança? Um neto? Pelo cuidado com que tomava conta do menino, poderia ser, sim.
Uma moça no banco atrás de mim fez uma careta, tapou o nariz com os dedos e mudou de lugar. Foi sentar bem longe, lá atrás, no último banco do ônibus.
E eu fiquei admirada, hipnotizada pela imagem da velha com o menino nos braços. Cheguei a pensar, o pensamento mesquinho: “Melhor parar de olhar ou ela vai me pedir dinheiro”.
Mas que nada, ela tinha dinheiro. Entrou um vendedor de balas no ônibus e ela sacou um porta-níqueis, tirou de lá uma moeda e comprou dois pacotinhos de amendoim. O menino desacordado, suado! Mas ia ter o que comer quando despertasse.
Eu continuava olhando. Era uma cena bela! Como podia ser bela aquela mendiga velha, suja e fedorenta com o menino no colo? Mas era.
Chegou a hora de saltar. Passei pela mulher e, nesse exato instante, um dos pacotinhos de amendoim caiu das mãos dela, foi parar no chão, perto da roda da cadeira de rodas.
- Filha, vc pega pra mim?
- Claro!
Abaixei e peguei o amendoim, entreguei nas mãos dela com um sorriso, e ela sorriu de volta pra mim, o menino dormindo.
Fui embora imensamente agradecida por ter sido merecedora de um olhar daquela mulher. Por poder lhe entregar o amendoim.
A Beleza guardada dentro de mim.
