segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Quando eu era criança, costumava assistir na Sessão Coruja, um filme estrelado por Charlston Heston, intitulado "A última esperança da Terra" (The Omega Man, 1971, baseado na novela de ficção científica "I am legend", do escritor e roteirista norte-americano Richard Matheson). Adorava as cenas do ator perambulando por uma Nova Iorque completamente abandonada, sem seres humanos, entrando nas lojas e escolhendo as roupas que quisesse, levando sem pagar. Ele se divertia fazendo aquilo e eu me imaginava na mesma situação: o Rio de Janeiro vazio e eu entrando aonde quisesse, pegando o que quisesse, sem ter que pagar ou prestar contas a ninguém. (Por outro lado, não haveria ninguém para me ver toda emperequitada, mas eu não pensava nisso.)
Eis que agora estreou no cinema uma nova versão do filme com Will Smith no papel principal. Fui assistir com meus filhos de 9 e 13 anos e levei um susto – vários, literalmente. Os mutantes da fita com Heston eram pessoas, atores, a única coisa que os diferenciava dos humanos normais eram os olhos cobertos por lentes esbranquiçadas. Eles e o protagonista eram inimigos, se batiam, mas também conversavam e implicavam uns com os outros. Havia uma relação entre eles, por vezes ambígua, como são as relações humanas.
No filme de ontem, os mutantes são criaturas horrendas, criadas por computação gráfica, e a única característica humana mantida neles é o sofrimento – físico, espiritual, de todas as formas. Eles não falam, não interagem, se amontoam em lugares escuros e são extremamente agressivos e violentos. Ou seja, esses personagens foram moldados para atender à sede da sociedade de consumo atual, onde parece valer a máxima"quanto mais choque e violência melhor". Posso parecer antiquada, mas lamento que precisemos disso para nos sentir vivos.
Quem tiver curiosidade e quiser saber mais sobre William Gordon deve olhar o website do autor: www.williamcgordon.com. É muito bonito e interessante, abrindo com uma foto de um de seus inseparáveis chapéus (o que ele usou na viagem ao Brasil era australiano, à moda de Crocodilo Dundee) e um link para um álbum de fotos onde há uma série de imagens dele com a família e com a famosa esposa, além de belas fotos de viagens. No link "bio" o relato é tão sincero e a exposição é tão grande que chegam a incomodar (mas não a constranger). Assim é William Gordon, autor de "O mistério dos jarros chineses", que se não chega a ser um grande escritor, é com certeza um grande ser humano. Isabel Allende que o diga.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

A onda que sobe no ar

Agora já são cinco dias de convivência com Mr. William C. Gordon. Já o considero um amigo, pois conversamos sobre todos os assuntos, inclusive nossas trajetórias e reflexões sobre a vida. Ele, inclusive, fala e se expõe mais do que eu.

Contou, por exemplo, como conheceu Isabel Allende. Ele vinha de dois casamentos desastrosos, cada um com 10 anos de duração, mais 5 anos de terapia para se tornar "completo", até que um dia descobriu que estava pronto para um novo relacionamento. Conheceu e saiu com belas mulheres, altas executivas, mas concluiu que não queria nada daquilo. "Quero alguém que tenha a ver com as artes".

Pouco tempo depois, um amigo que trabalhava numa universidade lhe presenteou com um exemplar de "De amor e de sombras", considerado uma espécie de continuação de "A casa dos espíritos". William leu e gostou. "Essa mulher escreve sobre o amor de forma semelhante à que eu acredito que seja o amor", pensou. Fez esse comentário com o amigo e ele disse: "ela está vindo para uma palestra na universidade daqui a duas semanas". O mesmo camarada apresentou os dois e Isabel, que nessa época morava no exílio, na Venezuela, não voltou mais para o país. Ficou na Califórnia com o querido, onde moram até hoje.

"Mas não foi fácil", diz William, pensativo. "Nós passamos por tantas coisas!..." De fato, primeiro foi a doença e morte de Paula, narrados no livro que eu considero o melhor escrito por Allende. Depois ele perdeu uma filha dependente de drogas, vítima de HIV. Depois, mais problemas com outros filhos. "O que importa é que assim que nos encontramos, nossas vidas fizeram: vupt!" (Ele faz um gesto como uma onda que sobe no ar).

Fiquei emocionada, pois também desejo para mim um relacionamento que seja um verdadeiro encontro, no sentido de transformar para melhor a minha vida e a do meu companheiro, ambos caminhando para cima e para frente na mesma direção, juntos.

Tem gente que chama isso de "esperar pelo príncipe encantado". Mas existe. Willliam Gordon e Isabel Allende estão de prova.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Anteontem, recebemos no Rio de Janeiro o autor norte-americano William C. Gordon, um senhor de 69 anos muito disposto e bem humorado, cujo romance policial "The chinese jars" foi traduzido e acaba de chegar às livrarias de todo o Brasil com o título em português "O mistério dos jarros chineses" (Ed. Record). Trata-se de uma narrativa bem leve e comercial. Gordon tem plena consciência disso e diz que não quer ser diferente; o importante é se divertir escrevendo, principalmente pelo fato de ter se iniciado nessa atividade apenas quatro anos atrás.
Acontece que Mr. Gordon tem um outro grande atrativo: é marido da escritora best seller chilena Isabel Allende. São casados há 20 anos. Quem leu o romance "Paula", no qual ela narra o processo de morte de sua filha, vai lembrar que no final surge "um californiano alto" que se encanta com a mulher que usa vestidos hippies. Impossível conversar com o William Gordon sem mencionar sua esposa. É uma curiosidade natural, pois ela pouco aparece na mídia e só veio ao Brasil uma única vez – não muito feliz, diga-se de passagem. (Mas isso é outra história!)
Comecei perguntando suavemente: "E como vai Mrs. Allende?" Para minha surpresa e prazer, ele não se furta de comentar sobre a mulher. "Vai bem. Sentou-se agora no dia 8 de janeiro, como faz todos os anos, para começar um novo livro. Sei que só vai se levantar quando terminar."
"Então, é verdade!", pensei, relembrando a lenda que diz que Isabel Allende começa a escrever sempre no dia 8 de janeiro. Mas ela não lança um livro por ano. "Não", continua Mr. Gordon. "Às vezes não consegue seguir adiante e terminar. Mas mesmo assim sempre começa algo nessa data".
Cada escritor com a sua mania... (continua)
Obrigada a minha amiga Marcia Régis, filha única do finado vovô Régis, citado no post anterior. Ela divulgou A pausa do tempo para dezenas de pessoas no Brasil e exterior fazendo com que minha escrita fosse lida por gente que não conheço e cujos rostos nunca vi. Obrigada a todos.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Ontem, compareci ao enterro do pai de uma grande amiga. No final da cerimônia, enquanto os coveiros ainda fechavam a lápide e os membros da família vertiam lágrimas, uma das convidadas passou por nós, passos rápidos, dizendo entre dentes: "vamos sair todos juntos. Agora!" Não entendi a pressa; perguntei: "por que?" Ela não precisou responder. Pou!, pou!, pou! Tiros. Vindos do alto do morro do Catumbi, grudado ao cemitério. Pânico. O choro deu lugar a gritos: "Abaixem-se!" "Corram!"
Me senti meio ridícula, andando abaixada entre os túmulos. Vi que um dos coveiros caminhava normalmente ao meu lado e perguntei: "o senhor, que trabalha aqui, me diga: é preciso mesmo se abaixar?" E ele, calmamente: "Eu não me abaixo, não. Tá longe!" Retornei à postura normal e tentei tranquilizar os outros: "Calma, pessoal! O moço que trabalha aqui disse que não tem perigo..." Mas os tiros continuavam e não havia como deter as pessoas. Acabamos correndo todos juntos até a porta do cemitério. O curioso é que, no caminho, eu olhava o conjunto de três blocos de edifício bem próximos do morro e as janelas estavam cheias de gente. Ninguém se esconde, todos querem ver o que se passa, deve ser uma diversão para a vizinhança (e também alvos fáceis para balas perdidas).
Houve quem dissesse: "Eles (os traficantes) devem fazer isso todo dia, só pra nos espantar e depois rir da nossa cara." "Isso é que viver no Rio de Janeiro!" "Eles não respeitam nem os mortos..."
De fato.
A correria e o inusitado da situação, por incrível que pareça desanuviaram a tristeza. Fomos todos para a casa do falecido conversando animadamente, preparamos café e comemos o último alimento que nos restava: pão de forma com manteiga torrado no forno. Logo estávamos sorrindo e lembrando com ternura as particularidades do nosso querido vovô Régis, que nos deixou numa quinta-feira, dia 17 de janeiro de 2008, e cujo funeral dificilmente será esquecido.
O amor enclausurado e a salvo das pequenezas do mundo é lirico, lindo, mas não é real. Se o mundo não alcança e faz parte da relação, ela é idealizada, não se sustenta. Então, vamos viver o amor no mundo, junto com cachorro, papagaio e periquito, contas pra pagar, compras pra fazer, problemas pra resolver... Preservando os espaços "sem ser do mundo" para respirar... Ô equilíbrio difícil!...

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Ontem, dia 15 de janeiro de 2008, apareceu um lindo arco-íris no céu. Fato incomum! São tantos os fatores que precisam ocorrer juntos, para que se forme um arco-íris, que o considero tão raro quanto um eclipse.
Ontem o dia estava claro, mas às seis horas da tarde começou a ventar forte e logo veio a chuva. Pingos grossos e perfumados. Descendo as escadas da empresa onde trabalho, antes mesmo de alcançar a rua, senti o cheiro do chão e da terra molhados e soube que estava chovendo (passo o dia trancada numa sala com as persianas abaixadas, pois tudo o que se pode ver além da janela é um muro).
Entrei no táxi e, ao chegar no Campo de São Cristóvão, percebi que o sol se punha à direita lançando seus últimos raios fortes de verão nas gotas, contra o céu cor-de-chumbo à esquerda. Comentei com o motorista: "vamos ficar atentos, vai aparecer um arco-íris" (eu era boa nas aulas de Ciência). Mal acabei de falar, ele começou a se esboçar no céu. Inicialmente fraco, quase transparente, mas à medida que a luz do dia diminuía foi ficando mais e mais forte e definido. 180º de arco-íris! Me deitei no banco do carro para admirá-lo e continuei nessa posição depois que o táxi atravessou o túnel Rebouças. No céu do Humaitá, dava para enxergar nitidamente todas as suas cores: lilás, anil, azul, verde, amarelo, laranja, vermelho. As pessoas paravam nas ruas, indiferentes à chuva, para tirar fotos com seus celulares. Passei por uma moça distraída numa esquina, pensativa, e falei: "já viu o arco-íris?" Ela olhou para o céu e sorriu: "É mesmo!..."
Independente de qualquer coisa, um arco-íris é um sinal muito positivo. Viva 2008!
O post da Catharina, com a poesia do Drummond, me faz ir mais adiante e relembrar uma crônica do nosso mineiro magrinho, feinho, mas que sabia amar com intensidade só revelada após sua morte, com o desvendar da história da amante que manteve durante muitos anos, as poesias eróticas publicadas postumamente no livro "O amor natural" (Editora Record) e outros indícios, como uma crônica pinçada pelo jornalista Joaquim Ferreira dos Santos e publicada na coletânea organizada por ele, "As cem melhores crônicas brasileira do século" (Editora Objetiva).
Na crônica, um casal de amantes encontra-se enclausurado em um apartamento mas, de início, não entendemos direito o que acontece; pode ser uma guerra e os dois buscam maneiras de sobreviver se escondendo, mas com poucos víveres, e isso é uma questão, pois volta e meia é mencionada a necessidade de sair, ir em busca de alimento, e com isso se expor ao mundo. O texto avança e compreendemos que não existe guerra, os amantes simplesmente estão em fusão de corpo e alma, e qualquer influência que ameace afastá-los desse estado – TV, jornais, telefone etc – é rechaçada. Nesse ponto, fica claro, claríssimo, que Drummond deve ter experimentado esse que é o verdadeiro êxtase do amor – corpo e alma juntos, unidos, fundidos, fora do tempo.
Porém, a história avança mais um pouco e o homem é obrigado a sair, pois já não há um único grão de arroz na casa e o corpo precisa de alimento, pois não existe separado da alma (pelo menos em vida). Ele vai à rua como um fugitivo, volta correndo, mas quando chega encontra sua amada parada na porta, entre atônita e desamparada, atendendo a um porteiro ou técnico qualquer...
Não me recordo exatamente dos detalhes (li o livro emprestado), mas sei que nesse momento vem a constatação terrível: o mundo os alcançou. O encanto se quebrou. Mesmo que eles voltem para dentro de casa e tentem recomeçar e alcançar o que tiveram antes, não será possível. O tempo passou.
Essa crônica é lindíssima, intensa e faz lembrar que é preciso estar presente e entregue em cada momento da vida, vivê-lo ao máximo, pois rapidadamente passará, como tudo passa, até a vida da gente.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O sexo, para ser bom, requer tempo. Creio que ele só é bom quando se configura como uma pausa no tempo (e isso não tem a ver com quantos minutos ou horas durou o sexo).
Assim, pode ser até um instrumento para o autoconhecimento do corpo e de si mesmo. O mundo entra em suspenso e reina o corpo – com seus silêncios e ruídos, movimentos e pausas, fora do tempo mundano. É o tempo subjetivo dos amantes.
Também é preciso coragem para deixar essa energia fluir até esgotar-se, realizar-se, transformar-se – transformando também a nós mesmos.
Somos capazes de viver todas as experiências que a vida nos apresenta? Flexibilidade para ser como o bambu, que enverga com o vento, seja ele fruto de uma tempestade ou uma suave brisa, sem se quebrar?
A força do amor é suave e penetrante ao mesmo tempo. Muito poderosa. Capaz de mudar os rumos das situações e do que foi planejado. Somos capazes de nos permitir viver isso sem freios?
Quando estamos sozinhos, procuramos planejar tudo para ocupar os buracos que nos fazem deparar com a nossa solidão. O fim de semana se aproxima; planejamos encontros com amigos, festas, cinema, passeios. Nada de errado nisso. Melhor do que ficar em casa deprimido, olhando as paredes. Mas essa programação não pode ser tornar um fim.
A vida é maravilhosa e nos presenteia com o inesperado a todo momento. Bom e ruim. Se o inesperado é ruim, não temos muita escolha, submergimos nele e enfrentamos o problema da melhor maneira que podemos. Mas se é bom demais, nos assustamos!
Às vezes, acho que o ser humano tem mais dificuldade em lidar com a felicidade do que com a tragédia. Esse assunto é abordado no livro do psiquiatra e psicanalista paulistano Jorge Forbes, "Você quer o que deseja?" (Ed. Best Seller, 6º edição). Ele comenta o caso da mulher que tinha o sonho de conhecer a China, mas assim que chega lá perde o passaporte e se mete numa série de confusões que transformam sua viagem num inferno. E também o casal que briga na lua-de-mel. E outras histórias, concluindo que o indivíduo sente-se mais à vontade reclamando da vida do que rejubilando-se com o que dá certo. Medo da inveja e da cobiça dos outros, medo de ser atacado por se destacar no oceano de infelizes são alguns dos motivos apontados pelo médico – que estudou com Lacan em Paris – para esse comportamento estranho e contraditório do ser humano que, pelo menos da boca para fora, vive proclamendo estar em busca da felicidade.
Em 2008, proponho a mim mesma e a quem esteja lendo este post que cultivemos a coragem de ser feliz.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Ainda sobre a Nélida, vale comentar a honra de ter conhecido a casa dessa grande escritora, primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras (1996-97). Apartamento duplex com vista deslumbrante para a Lagoa; fomos recebidas no andar que abriga a sala de visitas e o escritório. As paredes cobertas de diplomas e homenagens oferecidas por instituições ligadas à leitura de diversos países. Cartazes de espetáculos inspirados em suas obras, encenados principalmente na Espanha, terra de seus antepassados (Galícia). Esculturas que são prêmios, especialmente, um prêmio cuja estatueta é da autoria de Joan Miró. Na parede sobre o sofá, uma tela enorme mostra uma Nélida sorridente, com um halo verde-bandeira em volta da cabeça, pintada por Glauco Rodrigues.
Ela tem, sim, a consciência de que sua casa abriga um acervo valioso que precisa ser preservado. Diz que ainda não tomou nenhuma providência nesse sentido, mas reconhece que é hora de começar a pensar nisso.
Assim, passamos a tarde batendo um ótimo papo, bebendo espumante rosé espanhol da marca Faustino, comendo salgadinhos preparados em casa. E ainda tivemos o prazer de conhecer Gravetinho, um joven pincher completamente apaixonado pela Nélida, que rosnava contra nós, por nossa audácia de nos aventurarmos nos domínios de sua dona.
Numa ida ao banheiro, um pouco tonta por causa do espumante, estiquei o pescoço para bisbilhotar o escritório, local de criação de "A força do destino","Tebas do meu coração" e outros. Tudo muito organizado, a foto em preto e branco de uma senhora ao lado do computador, que julgo ser sua mãe.
Por existir e nos doar seu tempo com tanta generosidade e simpatia, Nélida é inspiração.
Ontem, visitei a casa de uma grande escritora viva da literatura brasileira, Nélida Piñon. Ela é autora da casa editorial onde trabalho e o propósito do nosso encontro era combinar os detalhes do lançamento do seu novo livro, "O aprendiz de Homero", que chegará às livrarias em março de 2008.
Eu nunca havia ido à casa da Nélida, só a conhecia de lugares públicos, como a Bienal do Livro de 2006, em São Paulo. Lembro que, nessa ocasião, assisti a uma palestra dela e o que mais me marcou foram as falas sobre as dificuldades para ser levada a sério pelos colegas escritores – pois ela começou a escrever muito jovem, era mulher e solteira, e os outros a olhavam com cada de: "que garota petulante!" – e sobre ser fiel a própria escrita. Relembrei isso quando ela falou, ontem, sobre sua fidelidade à literatura. "Eu nunca traí a literatura", disse como quem reflete consigo mesma. Perguntei: "Como assim, Nélida? Trair como? Me dê um exemplo". Ela respondeu imediatamente: "Nunca fiz acordos espúrios para distorcer minha escrita e torná-la mais comercial ou para acompanhar qualquer moda ou tendência. Eu poderia ter feito isso, mas não fiz". Concordei. De fato, ela domina a técnica e pode usá-la como bem entender. Então, completei que muito me impressionou sua fala na Bienal, quando ela contou que sempre escreveu sobre o que quis, da maneira que quis. E ainda aconselhou os novos escritores: "não adianta tentar ser como este ou aquele escritor. Vocês têm que escrever de próprio punho, com o seu jeito, o seu estilo".
Se o público vai gostar, é outra história.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Sentada no sofá da sala de casa, lendo os jornais em companhia da gata Piblu, é domingo à tarde. Uma velha música de um velho CD entra pelos meus ouvidos e abre várias portas de sentimentos e lembranças e sensações adormecidos. É Clube da Esquina nº 2, canção que deve exercer esse efeito sobre gerações de pessoas que têm hoje entre 40 e cinquenta e poucos anos. Eu nunca tive esse disco quando existiu em vinil, nem tenho o CD original, mas uma interpretação de Léo Gandelman no saxofone me fez parar a leitura do jornal para escutar. E então, eu me desliguei do que estava lendo e prestei atenção na minha sala de casa, que repentinamente se apresentou com cores e sons mais vivos e brilhantes, assim como a brisa que entrava pela janela passou a ser percebida pela minha pele como um carinho suave e lírico. Larguei o jornal no chão e me concentrei naquela experiência de observação da sala da minha casa, o lugar onde eu moro, entro e saio todos os dias, a maior parte das vezes apressada. A sala está sempre cheia de gente, crianças, TV ligada. Ou então vazia, iluminada apenas pela luz de um pequeno abajur – porque não gosto de ambientes escuros, mesmo que não estejam sendo utilizados.
Hoje à tarde, o telefone não tocou, as crianças estão fora e eu estou em paz como há muito tempo não me sentia. O tempo parou para eu olhar as nuvens que escorregavam lentamente no céu, iluminadas pela luz do sol que ocultavam, revelando-se em matizes do branco ao cinza. O vento suave balançando as plantas arrumadas num pedestal próximo da janela. A gata espichada preguiçosamente no chão, barriga pra cima, o pelo felpudo abrindo-se em camadas de cores semelhantes às das nuvens lá fora. As paredes verdes manchadas pelo tempo, pedindo uma nova camada de tinta que não sei quando virá. Os livros dispostos na estante lembrando-me do meu compromisso comigo mesma e com a minha missão no mundo.
A música acabou e voltei à leitura do jornal. O mundo chama.
Por que ter um blog na internet? Essa é uma pergunta que eu me fiz muitas vezes antes de decidir mandar e-mail aos amigos, divulgando A pausa do tempo. Medo de parecer uma egotrip ridícula. Receio de almejar algum tipo de analtecimento a minha personalidade.
Todo escritor quer ser reconhecido, quer fama. Simplesmente porque com o reconhecimento, vem a recompensa financeira e quem não deseja ganhar dinheiro fazendo o que gosta?
A não publicação da escrita é a morte do escritor. E como é tão difícil ser publicado hoje em dia, e como a sociedade se encaminha para a desmaterialização – muito embora afirme-se que o livro pernamecerá – a internet vem se tornando o veículo de expressão de milhares de pessoas que gostam de escrever.
Procurei despersonalizar a minha escrita; este blog não é um diário nem um arquivo de experiências pessoais, muito embora as reflexões sejam baseadas em vivências minhas.
É com amor que eu convido os meus amigos a lerem os meus textos. Se puderem ser úteis de alguma forma, serei feliz.