sábado, 8 de setembro de 2007

Observar a pausa do tempo nos momentos dolorosos da vida é um dos exercícios mais difíceis. Quando estamos sofrendo, queremos que o tempo passe rápido, para que passe rápido o sofrimento também. Então, tratamos de ocupar nosso tempo com todo tipo de paliativos que temos à mão, desde os mais inofensivos – a companhia de amigos, ler (se a dor permitir), assistir a um bom (ou mau) filme no DVD, praticar esportes – até os mais nocivos, como o entorpecimento com drogas diversas. Mas tenho a impressão de que se não nos deixamos submergir no sofrimento e vivenciá-lo, o efeito é contrário: ele se prolonga.
Creio que não há alternativa a não ser viver a dor, alternando com paliativos, mas preservando a consciência de que ela está lá, os motivos que a provocaram precisam se examinados, esclarecidos, arquivados nos anais da nossa existência (a parte proveitosa), assim como o refugo deve ser despachado pra bem longe, deixado pra trás, para seguirmos leves em frente, sabendo novos sofrimentos podem surgir, e com certeza vão surgir, em alguma esquina próxima da vida.
"Viver é muito perigoso", escreveu Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas. Pois é: coragem!

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Certa vez, li no livro "Fragmentos de um ensinamento desconhecido – Em busca do milagroso", de P. D. Ouspensky (Ed. Pensamento), que as lembranças que guardamos na memória, a despeito da passagem do tempo, são recordações de momentos em que estivemos realmente despertos e conectados com a nossa essência.
De fato, como explicar passagens da infância mais tenra, cujas imagens permanecem vívidas ao longo de toda a vida de uma pessoa?
Meu pai, pouco antes de morrer, teve uma experiência dessas. Nós viajávamos de carro pela Europa, em 1982. A primeira – e a última, eu ainda não sabia – viagem juntos em nossa curta trajetória de pai e filha.
Nosso passeio começou em Paris e continuou pela Bélgica, Holanda, Alemanha, Áustria, Suíça, Itália e França de novo. Durou um mês. Na volta para Paris, onde tomaríamos o avião para o Brasil, paramos no Mont Ventou. Trata-se de uma montanha onde, no inverno, funciona (ou funcionava) uma estação de esqui. Mas estávamos na primavera, e não havia neve. O Mont Ventou encontrava-se deserto, ensolarado. Era uma montanha de cascalho, pedaços de pedra branca e irregular.
Subimos até a sede da estação de esqui, que parecia abandonada, e descemos por outro caminho, parando na beirada de um precipício para apreciar a vista. Devia ser umas quatro horas da tarde e a paisagem parecia coberta por um véu esbranquiçado que tornava todos os contornos difusos. O vento reverberava em nossos ouvidos, intermitente, e por um momento eu pensei que se o mundo fosse acabar, aquele seria um bom lugar para estar.
Ficamos ali algum tempo, eu e meu pai, um ao lado do outro, em silêncio, até ele decidir que devíamos continuar a viagem. Na volta para o carro, colheu uma flor amarela de um arbusto e me deu. Eu a coloquei sobre o porta-luvas e ali ela ficou.
Um ano e dois meses depois, meu pai teve um câncer e morreu rapidamente. Ao longo desse ano, mais de uma vez, ou melhor, várias vezes, ele comentou comigo: "É incrível, mas de toda a nossa viagem, a lembrança mais forte é daquela parada no Mont Ventou, onde eu colhi uma flor e te dei. Você lembra?"
Sim, eu me lembrava. E ele parecia fascinado com a força daquela lembrança: "É incrível! Por que será que eu me lembro tanto disso?"
Que bom que meu pai, antes de morrer, teve a experiência de estar realmente vivo e conectado. E nós estávamos juntos! Compartilhamos aquele momento, que também se mantém extraordinariamente vivo na minha memória e no meu coração até hoje.

A pausa do tempo

Sou Valéria Martins e vou compartilhar com vocês experiências do dia a dia que, por algum motivo, se distinguem do normal, se avivam e se destacam, proporcionando uma compreensão diferente da realidade. Você já viveu alguma experiência assim?