sábado, 3 de janeiro de 2009

Longe

De Carlos Drummond de Andrade:

Como é o lugar
quando ninguém passa por ele?
Existem as coisas
sem ser vistas?
O interior do apartamento desabitado,
a pinça esquecida na gaveta,
os eucaliptos à noite no caminho três vezes deserto,
a formiga sob a terra no domingo,
os mortos, um minuto
depois de sepultados,
nós, sozinhos
no quarto sem espelho?

Esse poeta ia longe!... Mas eu também ia, aos três anos de idade. Tenho memória privilegiada, graças a Deus, e esses versos, publicados na edição de dezembro, do jornal Rascunho, me remeteram à infância na cobertura no Leme, onde nasci e fui criada até os 7 anos.

Lembro-me nitidamente das manhãs em que, sozinha, perambulava pela larga varanda – que os adultos isolaram com vidros, por receio de um vôo maior de minha parte. Eu olhava as centenas de janelinhas dos apartamentos na vizinhança e pensava: “atrás de cada uma dessas janelas moram pessoas como eu. Elas pensam, sentem e levam suas próprias vidas cheias de questões, pai e mãe, crianças, animais, problemas. O que será que nos une? Como serão essas vidas?

Claro que o nível de organização não era esse, aos 3 anos. Mas ainda hoje, a imagem dos prédios e o sentimento que a acompanhava são tão vivos que me permitem traduzir essa reflexão precoce.

Comentei sobre isso com minha filha de 14 anos (completos em 2/1!) e ela contou que costuma olhar os rostos das pessoas nas ruas e, com base nas expressões que vê, imagina o que as ocasionou: a moça triste brigou com o namorado; à mulher ausente, lhe falta um amor; o homem de cenho franzido discutiu com o pai, e por aí vai...

E vocês, como e quando vão looonge?...

***

O pessoal da Pixar foi longe ao criar a animação Wall-E, eleito o melhor filme do ano pela Associação de Críticos de Cinema de Los Angeles. Batman – O Cavaleiro das Trevas ficou em segundo lugar.

É desenho animado para adultos, disponível em DVD, e mostra uma visão do futuro interessantíssima. Os créditos finais surgem ao som de linda canção de Peter Gabriel, que não sei por que, não foi bem divulgada nas rádios ou MTV. Clipei do YouTube pra vocês.


8 comentários:

O Profeta disse...

A humildade da água
Uma folha solta no vento
Cai sobre o mundo um manto de fino orvalho
Cada gota aprisiona um pensamento


Que o ano de 2009 seja a chegada aos teus mais
verdadeiros sonhos, que a tua alma encontre as mil cores
do feliz pensamento…


Que os nossos caminhos se juntem no espaço intermédio
entre a ternura e o tempo da viajem.



Mágico beijo

Buda Verde disse...

quando criança fazia coisas; inventava os "cenários" e me divertia.
sempre tive mania de ficar criando coisas, via uma cena na rua e pensa: e se acontecer isso? será que ele fez tal e tal coisa? Daí...? Zás!

hoje, já maior, na cama nem durmo direito, e os sonhos? valha-me deus!

Denise Egito disse...

Eu morava num casa imensa, de dois andares, com um quintal onde havia pé de limão, laranja, pitanga, mamão, além de bananeira, mangueira e outros que não lembro agora. Como era filha única, meus amigos eram os animais: tinha pato, pintinho, gato e, mais tarde, um cachorro. Mas sentia falta de outras criaças, que não havia na vizinhança... Beijos

Babi Mello disse...

Váleria muito lindo viu o texto e refleti muito sobre suas palavras de longe... será que percebemos, posso dizer que não, deixamos de perceber o outro porque estamos mergulhados em nos mesmos. Começando muito bem o ano hem.
Ah! tenho uma dúvida para tirar como sou meio nova ainda em blog, queria saber como faço para postar os vídeos direto do you tube?
Bj!

meus instantes e momentos disse...

ótimo post, gostei daqui.
Muito bom
Maurizio

Márcia Régis disse...

Ela, quando era criança, tomava muita sopa. Muita sopa mesmo, pois tinha preguiça de mastigar. Mas também tinha preguiça de tomar a sopa. Cada sopa tinha sempre o macarrão de letrinhas boiando. E no devaneio frente ao prato de sopa que tinha que ser consumido, ela imaginava como seria mergulhar dentro da sopa e, no fundo do prato, olhar para a superfície e ver as letrinhas boiando. bjs

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Valéria,
Vou longe quando penso em família, quando vejo um casal jovem com seus filhos pequenos, quando escuto a vozinha gostosa de uma criança.
Vou longe quando escuto determinadas músicas, e quando sinto certos perfumes.
Beijo

Pablo Lima disse...

vou longe na cia. de pessoas ilustres, como vc. e outros que tenho por perto.
abração!